“ACREDITARAM EM MIM” 

“Acreditaram em mim”, esta foi a fala da vítima do estupro cometido pelo jogador de futebol Daniel Alves, ao ser informada da condenação do atleta em Barcelona.  

Muito embora estejamos falando de um crime cometido e processado fora do Brasil, os meandros que envolvem o caso explicitam não apenas a dificuldade que mulheres vítimas de violência sexual enfrentam no curso destes processos ou, ainda, as “técnicas” utilizadas pelas bancas de defesa de agressores ao redor do mundo. Mas, também, a importância da adoção de protocolos eficientes e, acima de tudo, a valoração da palavra da vítima por meio da inversão do ônus da prova.  

O jogador em questão não fugiu à regra. Assim como a esmagadora maioria dos agressores, em suas diversas versões do ocorrido, negou os fatos, fez proposta de acordo financeiro, colocou a culpa na vítima e, por meio de familiares, tentou expor a sua imagem para desmoralizá-la. Por isso, é preciso explicitar o papel fundamental de protocolos como o “No Callem”, adotado no estado da Catalunha para os casos de violências sexuais em espaços públicos, que garantiu com que provas e testemunhos fossem obtidos de maneira rápida e eficiente, bem como a imediata proteção à vítima e abordagem do agressor.  

Aqui no Brasil, casos semelhantes envolvendo denúncia de violência sexual cometida por homens de grande poder aquisitivo e influência tomam as mídias com frequência, assim como a atuação das bancas que, sob a justa justificativa da garantia do direito de defesa, emprestam suas imagens, suas carreiras consolidadas e idôneas em busca da defesa e redução da pena de réus (confessos ou não).  

 É óbvio que bancas compostas por operadores e operadoras do Direito comprometidos com a ética profissional e com a correta aplicação da lei terão a possibilidade de auxiliar, inclusive, na suavização da violência processual sofrida pelas vítimas de violência sexual e suas advogadas de defesa. Mas é inegável que a contrapartida dessa estratégia de defesa também é agregar valor às imagens de seus clientes.  

Isso não pode ser retirado da operação, pois sua implicação no resultado é substancial. O direito de defesa, assim como o direito de ação, são princípios constitucionais que têm como objetivo garantir com que os indivíduos apresentem seus argumentos e provas no curso dos processos judiciais (ou administrativos), para que sejam possibilitados julgamentos justos e imparciais. Da mesma forma que a liberdade de advogados e advogadas escolherem as causas que patrocinarão, sem sofrer retaliação em razão disso, é garantida pelo código de ética e disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. 

Todavia, não podemos perder de vista os problemas estruturais que ainda fazem com que a regra para as vítimas de violência sexual, apropriadas do seu direito de ação, seja o enfrentamento, junto com suas advogadas de defesa, de um sistema de justiça insistentemente discriminatório. Dificultando, inclusive, a atuação de instituições como o Ministério das Mulheres (através do programa Brasil sem Misoginia e fortalecimento do disque 180), Ministério Público (que possui ouvidorias especializadas) e do Conselho Nacional de Justiça (que expediu o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero ratificando, dentre outros, o valor probatório da palavra da vítima), entre outros exemplos. 

Que o Direito seja utilizado para mitigar desigualdades, encontrando soluções justas, e que a fala da vítima do jogador Daniel Alves ressoe até que vire regra! 

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