A história de Atynci

Considerando que já estamos há algum tempo conversando sobre diversidade, inclusão, inovações e o que podemos fazer para tornar as empresas públicas e privadas mais acolhedoras e inclusivas, neste e nos próximos encontros proponho a reflexão sobre casos reais de diversidade, inclusão e discriminação.

Como estamos no mês internacional da mulher, quero começar contando a história de Atynci, uma mulher negra brasileira, descendente de africanos, residente na cidade de São Paulo. Em 2020 ela começou a trabalhar em uma grande empresa de chocolates finos, na região metropolitana da capital paulista.

O trabalho de Atynci era bastante cansativo, não apenas pelas atividades específicas, mas por pertencer a uma equipe bem pequena. A empresa havia crescido rapidamente e o setor responsável pelos Recursos Humanos (RH) não conseguia fazer as contratações na mesma velocidade. Dessa forma, a quantidade de trabalho e sua essencialidade nas funções de entrada e saída de produtos levava a equipe a uma completa exaustão.

Atynci era a única mulher negra de meia idade contratada pela extinta equipe de (Environmental, Social and Governance- ESG). Era diariamente submetida a carga horária excessiva, cobranças de metas, formação de equipe e, de vez em quando, alguns desvios de função.

Atynci sempre lutou por uma boa educação. Demorou, mas conseguiu estudar em uma das melhores universidades do país e, por isso, seu currículo sempre era selecionado para processos seletivos. Contudo, ela não se sobressaia nas entrevistas, o que tornava aquele emprego muito especial. Era a oportunidade que precisava para mostrar o seu valor, um posto ímpar em sua trajetória. Como profissional estava extremamente feliz com a possibilidade de trabalhar em uma grande empresa exercendo atividades em sua área de formação.

Mesmo estando profundamente cansada, Atynci nunca dispensou qualquer atividade ou convocação dos seus superiores, nem quando ocorriam em dias de folga, finais de semana e feriados. Os chamados eram prontamente atendidos. Quando seus colegas faziam “corpo mole” ou faltavam sem justificativa, ela estava lá.

Depois de dois anos de intenso trabalho, divergências na equipe, fracionamento das férias, auditorias, etc. O CEO da empresa convocou a equipe na qual a Atynci pertencia e parabenizou a todos calorosamente. Em discurso ressaltou que a equipe havia cumprido uma meta quase impossível – com aquele reduzidíssimo número de funcionários – eles haviam conseguido dobrar a meta estabelecida pela diretoria e, por isso, declarou que todos teriam um aumento salarial. O CEO deixou a cargo do líder setorial passar as informações a cada funcionário.

Após duas semanas da declaração do CEO da empresa, o líder, no início da tarde, chamou o funcionário Benedito Fonseca, um colega que entrou na equipe na mesma seleção de Atynci e, na frente de todos, o parabenizou pela promoção. Disse que o trabalho dos membros da equipe era igual, mas que ele se destacava por ser um homem dedicado e honrado. Mesmo sendo pai de família, comprometido com a igreja, fazia de tudo para estar em todas as atividades propostas e, para recompensá-lo, ele seria o primeiro a receber o reconhecimento e ter sua ficha encaminhada ao RH.

No dia seguinte, o líder chama Lúcio Costa e mais uma vez exalta o comprometimento com a equipe, os anos de serviços prestados na empresa. Em tom amigável faz uma piada com fato de o funcionário ter parentesco com os sócios da empresa. Afirma que seus documentos já haviam sidos enviados ao RH.

No terceiro dia, como de costume, logo depois do período de almoço o líder convoca Bruna, uma jovem administradora do estado do Rio Grande do Sul que a pouco havia se mudado com a família para a cidade de São Paulo. Em tom de seriedade disse que seus filhos a impediram de se comprometer 100% com a equipe, mas que isso não os impediram de obterem sucesso, afinal o trabalho era rateado por todos. Afirmou, como anteriormente, que seus documentos iriam ser encaminhados ao setor de RH.

Por fim, já angustiada, a Atynci aguardava ansiosamente pelo seu dia, haja visto que a equipe era formada por apenas cinco pessoas e não havia mais ninguém à sua frente. Naquela quinta-feira o líder passou rapidamente pela empresa e na parte da tarde não compareceu, pelo menos não foi visto por ninguém. No outro dia, sexta-feira pela manhã, o líder se manteve em silêncio. Após o almoço o homem fechou a porta de sua sala e ninguém teve coragem de cobrá-lo sobre a promoção da integrante da equipe.

Atynci esperou por um chamado do líder até o último minuto da sexta-feira. Mesmo quando já não havia quase ninguém em seu setor, ela ainda o esperava. O sábado foi de muita angústia. A mulher sabia que, conforme anunciado pelo CEO da empresa, todos receberiam a bonificação, mas ainda restava uma dúvida, uma angústia.

Aquele foi o maior fim de semana já vivido por ela. Nem as adoráveis séries da Netflix ou as cestas de chocolates deram conta de acalmar aquela ansiedade, insegurança, misturada com insatisfação e até um pouco de medo.

Na segunda-feira, Atynci foi trabalhar com uma imensa dor de estômago, resultado da alimentação inadequada do final de semana e das noites mal dormidas. Os colegas de trabalho, notando sua insatisfação perguntaram se estava tudo bem, mas ninguém tocou no fato de o líder não ter dito nada sobre o seu aumento salarial. Ela e os demais colegas trabalharam normalmente naquele dia.

Nesta ocasião Atynci já se preparava para perguntar ao líder da equipe se, por um acaso, ela não seria agraciada com o aumento de salário como havia acontecido com seus colegas e a devida justificativa.

Na manhã de terça-feira, o líder entrou na empresa e disse em voz alta: “Atynci, não me esqueci de você! Assim que eu terminar uma atividade vamos conversar sobre a sua bonificação.” Ela não sabia se pulava de alegria ou se chorava de nervosismo, afinal, qual o motivo da demora? Por que a conversa com ela seria privada? Mesmo angustiada, se manteve firme.

Logo depois do almoço, na frente de toda a equipe, o líder chama Atynci em sua sala. O setor ficou em silencio observando-a passar.

A mulher entrou na sala, o líder pediu que se sentasse. “-A equipe recebeu um aumento salarial por bater a meta. Você faz parte da equipe por isso está aqui, contudo Atynci, preciso dizer que você não merece este aumento salarial como os seus colegas.  Você é esforçada, mas ainda falta muito para merecer prêmios ou bonificações. Vou te dar esse aumento, mas não pense que é por mérito. Você tem sorte de eu estar aqui pressionando todo mundo para entregar bons resultados, às vezes eu cobro mais dos homens do que de você, mas isso fica entre a gente. Você faz parte de uma equipe de sucesso e por isso irá receber aumento como todos. Muito obrigado e pode voltar ao trabalho.”

A trabalhadora saiu da sala de seu superior desnorteada. Parecia que um trator havia passado por cima de cada membro de seu corpo, Joan Leribag deu cerca de seis passos ao seu encontro, carinhosamente, com seu lenço perfumado, ofereceu água, deu lhe um abraço e sussurrou em seu ouvido: “- Não tenha medo, vai ficar tudo bem.” Sem esboçar nenhuma emoção ela assentiu. Sentou-se em sua mesa e olhou para o computador, mas logo em seguida se dirigiu ao banheiro, fechou a porta e desabou em pranto. Manteve-se discreta, afinal, se tratava de uma mulher negra chorando em um ambiente masculino e ela não queria demonstrar qualquer fraqueza dentro de uma das maiores empresas do país e, a priori, sem motivos conhecidos.

Dentro do banheiro, com as portas trancadas, Atynci chorou até soluçar, em seguida lavou o rosto, levantou-se e voltou ao trabalho. Alguns colegas notaram que havia acontecido alguma coisa, mas nenhum deles quis se intrometer.

O trabalho seguiu normalmente naquela tarde, chegou em sua casa sem perceber o caminho percorrido. Como nunca havia feito, ligou para os pais tarde da noite, eles residiam na periferia da cidade de São Paulo e disse que os amava, que estava com saudades e com muita vontade de vê-los. Ligou para a irmã, perguntou se estava tudo bem, disse que já havia adiantado o pagamento da mensalidade da escola das crianças o ano todo, deixou beijos aos sobrinhos que já estavam dormindo.

Na quarta-feira, Atynci saiu bem mais cedo para ir ao trabalho. Em um viaduto próximo a empresa, acelerou seu carro, rompeu o guard rail e caiu na rodovia Castelo Branco que passava logo abaixo.  O caos foi tão grande que naquela manhã que ninguém conseguiu bater o ponto no horário. Na empresa o assunto era apenas um, o carro amarelo que despencou do viaduto.

Os colegas de Atynci e Jair Sassime, o líder setorial, ficaram tristes e enviaram uma coroa de flores em nome da equipe de trabalho. A jovem administradora foi a única a olhar para a mesa vazia de Atynci no fundo da sala e chorar. Sugeriu que todos fossem ao funeral como forma de prestarem às últimas homenagens, mas o líder advertiu que isso iria prejudicar bastante a empresa.   

Por conta da ligação na noite anterior ao acidente, os pais e a irmã de Atynci acreditam que talvez ela estivesse pressentindo alguma coisa e, instintivamente, ligou para se despedir. Se tratava de uma filha totalmente obediente, perfeccionista. Era a mais bem-sucedida da família, com casa própria, carro, curso superior e havia conseguido emprego em uma das maiores empresas do país. Também se lembravam dela como uma pessoa muito alegre e que estava vivendo um dos momentos mais felizes de vida profissional e pessoal. Esta história foi contada pelo Sr. Rovala de Sotsan, agente especial da empresa de seguros “Mike Emme international insurer.”

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