Não é novidade que a Europa é considerada a grande referência no que diz respeito ao impulsionamento da agenda ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance). Para além das regulações específicas instituídas por países europeus, cada vez mais numerosas, a Comissão Europeia também tem proposto uma série de medidas voltadas à incorporação dos critérios ESG na estratégia de desenvolvimento econômico. Uma das suas principais iniciativas é o European Green Deal, ou Pacto Ecológico Europeu, lançado em 2019, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP25), em Madrid. Nessa ocasião, a União Europeia anunciou a ambiciosa meta de tornar a Europa o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050, visando consolidar o seu protagonismo nas temáticas ESG.
Para alcançar esse objetivo, o Green Deal consiste em um conjunto de propostas legislativas e ações concretas, com o intuito de desvincular o crescimento econômico da exploração dos recursos naturais. Embora o seu principal mote seja atingir a neutralidade de emissões de gases de efeito estufa, em razão da urgência imposta pelas mudanças climáticas, o Pacto Ecológico Europeu vai além: busca garantir uma transição climática socialmente justa e inclusiva, com a promessa de “não deixar ninguém para trás” nesse processo.
Em que pese ser pouco abordada quando se fala no Green Deal, a perspectiva das questões sociais está intrinsecamente ligada ao propósito do Pacto Ecológico Europeu. Sem ela, não é possível vislumbrar um novo sistema econômico verdadeiramente sustentável, que implica a necessidade de respeitar, proteger e promover os direitos humanos, tanto na esfera pública quanto privada.
Não à toa, a dimensão social se faz presente em muitos dos instrumentos adotados no âmbito do Green Deal. Uma primeira sinalização para a preocupação com o tema foi a instituição do Mecanismo para uma Transição Justa (MTJ), a fim de mitigar os efeitos sociais e econômicos decorrentes da transição para uma “economia verde”, sofridos pelas populações mais vulneráveis. O MTJ contempla apoio financeiro e assistência técnica aos Estados-Membros que enfrentarão os maiores desafios, mobilizando pelo menos 100 milhões de euros para tanto. Mas não é só.
A Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD), que entrou em vigor em 5 de janeiro de 2023, ampliou significativamente o número de empresas obrigadas a reportar informações sobre seus riscos e impactos sociais e ambientais, além de estabelecer novos requisitos para um relato mais detalhado e acessível. A CSRD impõe às empresas abrangidas a obrigação de divulgar sua estratégia frente aos riscos ESG, que incluem não apenas fatores ambientais e climáticos, mas também aqueles relacionados ao respeito aos direitos humanos de seus stakeholders, como os trabalhadores, comunidades afetadas pela atividade empresarial e consumidores finais.
Também inserida no contexto do Green Deal, a Corporate Sustainability Due Diligence (CSDD) é mais uma proposta da Comissão Europeia que cria o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, estabelecendo a responsabilização empresarial por danos ambientais e por violações de direitos humanos, inclusive em sua cadeia produtiva, a nível global. Um avanço que relevante da CSDD é prever que vítimas de violações de direitos humanos, ainda que fora da Europa, poderão acionar cortes judiciais na União Europeia para requerer a reparação de danos.
Da mesma forma, a proposta da regra da União Europeia para a promoção de cadeias de abastecimento sem desmatamento faz parte do Green Deal. Ao contrário do que se possa presumir, tal regulamento não limita suas pretensões à redução das emissões de gases de efeito estufa e à preservação de biodiversidade, explorando importantes aspectos sociais relacionados ao uso da terra e desmatamento, com foco nos direitos dos povos indígenas, especialmente o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Além disso, a proposta prevê o dever de uma rigorosa due diligence quanto à legislação do país produtor para as empresas que comercializarem determinadas commodities no mercado da União Europeia, incluindo uma avaliação de riscos acerca da presença e relação com povos indígenas no país, direitos trabalhistas e violações de direitos humanos. Mais uma vez, realça-se a relevância das questões sociais.
Os mecanismos apresentados são exemplos de que a mudança de paradigma conduzida pela União Europeia passa inevitavelmente pelos impactos sobre os direitos humanos. Uma abordagem adequada desse tema é essencial para o êxito da aplicação do Pacto Ecológico Europeu e, consequentemente, do novo modelo de crescimento econômico. Nesse contexto, a atuação estatal e corporativa comprometida com o respeito aos direitos humanos deixa de ser uma mera tendência para se transformar em uma exigência, dentro e fora do bloco europeu, como um novo padrão para uma transição socioambiental sustentável.
*Juliana Ramalho é sócia e Luísa Gomes Gonçalves advogada do Mattos Filho.