Programas de Integridade e Inteligência Artificial: Uma Abordagem Jurídica

Os programas de integridade, mais conhecidos, no mundo empresarial, como programas de compliance, desempenham um papel crucial na prevenção de práticas ilícitas e na promoção de condutas éticas nas organizações. Com o avanço cada vez maior da tecnologia, a Inteligência Artificial (“IA”) tem se mostrado uma ferramenta poderosa para aprimorar esses programas. No entanto, a aplicação da IA levanta importantes considerações jurídicas no dia a dia empresarial. A seguir, abordaremos brevemente alguns aspectos jurídicos relevantes nessa curiosa intersecção entre os programas de integridade e a IA.

A utilização da IA em programas de integridade pode envolver a coleta, o processamento e a análise de grandes volumes de dados pessoais, notadamente, de clientes, fornecedores, prestadores de serviços e colaboradores das organizações. Nesse contexto, é essencial considerar a conformidade do programa de integridade com as leis de proteção de dados, como a GDPR, da União Europeia, ou a LGPD brasileira. As organizações devem assim garantir que os dados utilizados pela IA sejam coletados e tratados de acordo com as normas de privacidade e segurança aplicáveis em cada jurisdição sob pena da aplicação de penalidades que vão desde uma advertência até multas milionárias.

A implementação da IA nos programas de integridade pode levantar também questões sensíveis relacionadas à responsabilidade civil. Caso a IA cometa erros ou tome decisões inadequadas, quando, por exemplo, da aplicação de uma punição a um colaborador, é necessário definir claramente quem será responsabilizado por essas falhas. É importante estabelecer mecanismos internos para monitorar e corrigir os resultados da IA minimizando possíveis danos aos envolvidos e garantindo uma correta prestação de contas.

Um outro ponto de extrema sensibilidade e foco de atenção é que a IA pode apresentar viés ou discriminação algorítmica, reproduzindo preconceitos presentes na nossa sociedade. Isso pode resultar, em determinados casos, em tratamento injusto ou desigual. Ao utilizar a IA nos programas de integridade, é fundamental que a organização adote medidas para identificar e mitigar qualquer viés, garantindo a todos os envolvidos tratamentos equitativo e não discriminatório.

Não podemos deixar de mencionar que a transparência dos sistemas de IA são aspectos jurídicos relevantes. É importante que as decisões tomadas pela IA sejam compreensíveis e auditáveis. Os programas de integridade devem fornecer explicações claras sobre como a IA chegou a uma determinada conclusão ou decisão, permitindo que as partes interessadas entendam e avaliem as bases utilizadas.

Quando falamos em programas de integridade e suas ferramentas tecnológicas, no contexto da IA, a propriedade intelectual também é uma consideração importante. Algoritmos, modelos e softwares desenvolvidos ou utilizados nos programas de integridade podem estar sujeitos a direitos autorais, patentes ou outros direitos de propriedade intelectual. É essencial que a organização garanta que a utilização desses recursos esteja em conformidade com a legislação aplicável em determinada jurisdição e, se necessário, obter as licenças ou autorizações pertinentes.

Alguns setores como o bancário, securitário e de valores mobiliários, por exemplo, possuem regulamentações específicas que podem afetar a aplicação da IA nos programas de integridade. É fundamental considerar as leis e normas aplicáveis ao setor em questão, como regulamentos financeiros, de saúde ou de segurança, para garantir a conformidade com as exigências legais e éticas específicas.

Em resumo, a utilização da IA nos programas de integridade pode trazer benefícios significativos às organizações que dela se utilizam, mas também demanda uma análise cuidadosa dos aspectos jurídicos envolvidos. As organizações devem estar atentas às obrigações legais, à proteção de dados, à responsabilidade civil, à discriminação algorítmica, à transparência, à propriedade intelectual e à regulamentação setorial, buscando garantir a conformidade e a ética em suas práticas cotidianas.

Felipe de Almeida Mello é advogado e sócio de BM Advogados (São Paulo – SP), da consultoria Conexão Compliance LGPD e colaborador da FenalawLab. Mestre em Direito e especialista em Direito Empresarial, em Compliance e em Proteção de Dados. Membro Efetivo da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados e da Comissão da Compliance da OAB/SP. Professor convidado da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Escola Superior da Advocacia (ESA/OAB), da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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