Legal Wars: O Retorno da Criatividade

Poderia começar com uma daquelas frases de efeito de Linkedin: O MUNDO JURÍDICO NUNCA MAIS SERÁ O MESMO. Nesse momento em que temos que mendigar pro algoritmo nos impulsionar sacrificando a qualidade do conteúdo é quase impossível falar sobre qualquer coisa de forma moderada. Para tristeza do drama, o mercado jurídico nunca foi o mesmo – desde sempre.

Estava assistindo o primeiro episodio do podcast Geração Legal Tech em que um dos participantes comenta sobre os períodos de transição na história da gestão jurídica no Brasil. Cita primeiro que o mercado jurídico teve um boom de oportunidades em 1988 com promulgação da Constituição e outro em 2010 com a aplicação de novas tecnologias e a digitalização de processos. Um dos participantes comenta que, com o tempo, as teses jurídicas deixaram de ser, com raras exceções, o diferencial dos escritórios e departamentos. Também falam que hoje, com grande parte dos argumentos jurídicos já comoditizados, é na gestão jurídica, confiabilidade de processos internos e automatização que se encontram os verdadeiros diferenciais de mercado.

Nesse cenário em que nunca mergulhamos no mesmo rio duas vezes a lá Heráclito é que puxo o assunto da criatividade. Afinal, mesmo que a água não seja a mesma, ela ainda é água e sabemos disso. O que quero dizer é que há problemas que permanecem mesmo que tudo em volta mude na forma. Em momentos de turbulência precisamos apertar o cinto. No caso da turbulência tecnológica que vivemos, precisamos nos apoiar na criatividade tal qual fizeram em 1988.

Seguindo a toada do podcast que citei, acho que faz sentido falarmos sobre um novo período a partir de 2022 com a aplicação de IA ao direito. Pode ficar tranquilo. Esse não será mais um artigo sobre IA com aquelas introduções repetidas à exaustão, nem com expressões batidas como ”Não me preocupo com a Inteligência Artificial e sim com a burrice natural” (agora lendo novamente a frase, por mais tosca que seja, ela faz sentido pro meu ponto).

Nesse mundo onde se investem bilhões em tecnologia, parece contraprodutivo falar sobre um assunto tão básico. É claro que precisamos de criatividade, você diria. A realidade não é tão óbvia assim. Departamentos jurídicos e escritórios são diferentes do marketing em que a criatividade é a palavra de ordem. E cá entre nós, quem escolhe cursar direito normalmente tem uma certa afinidade a regras em sentido amplo. E às vezes regras e criatividade são inimigas mortais.

Acontece que da mesma forma que em 1988 os escritórios e empresas foram criativos para achar novos modelos de negócios, novas teses jurídicas e novos espaços de mercado, são em momentos de transição como os que vivemos hoje que a criatividade volta com tudo assim como Luke Skywalker em Star Wars pra salvar o dia.

Por mais que seja reconfortante crermos no poder da tecnologia, sem pessoas a conta não fecha (sobre esse assunto recomendo essa entrevista com Paulo Silva da CLOC). Sem uma pessoa entre um problema e a jurimetria, IA ou automações várias, não há nada. Primeiro é necessário um processo quase filosófico que minha antiga gestora sempre repetia como mantra: Qual problema você está tentando resolver? Segundo, se faz necessário um trabalho de exploração – quais as ferramentas e estratégias que você tem à mão? Eventos como a Fenalaw, que expõem o que o mercado tem a oferecer, são essenciais para esse processo.  Em terceiro lugar, entre o problema e a ferramenta, existe você e sua capacidade de juntar os pontos. A criatividade se encontra justamente aí.

Achei um artigo meio antigo de 2013 sobre como uma mentalidade filosófica é a chave para perseverarmos na era da IA. Essa mentalidade filosófica que envolve coragem, curiosidade e desapego das suas ideias originais tem tudo a ver com o que falo aqui. Em tempos em que tudo se automatiza, não é sábio buscar ser apenas um “fazedor” de tarefas, ou “doers” como os estadunidenses pregam. O “thinker”, normalmente referido de forma pejorativa, como aquele que só pensa e não faz nada, ganha um contorno de necessidade para um profissional que não quer se tornar obsoleto na era da IA. 

Gosto desse tema, pois na minha experiência com big techs, por mais estressante que seja, parece que sempre há esse caos constante da criação. Eu amava isso pois nunca fui um exímio respondedor de emails. Precisava me destacar de outras formas. Empresas como a Amazon que nasceram em cima do próprio conceito de inovação e velocidade, respiram criatividade.

E para que a criatividade floresça, ela precisa de tempo dedicado e de ser recompensada. Isso não se aplica apenas à criatividade que dá certo. Se alguém tem uma ideia de processo ou produto que dá errado e a pessoa é punida, a próxima ideia será mais encapsulada e assim por diante até que a criatividade se esvaia. É uma máxima da análise do comportamento de que o reforço positivo é mais eficaz do que o negativo.

A criatividade foi, é e será essencial para qualquer atividade humana. E para as atividades humanas que sofrem disrupções, o retorno ao essencial se faz mais necessário ainda. As novas tecnologias abrem mais uma batalha dessa guerra. Quem conseguirá ser criativo para aproveitar as novas correntes de mudança?

Sendo prático, você quer se destacar no setor jurídico em tempos de mudança? Faça as seguintes perguntas: 1 – Qual problema você está tentando resolver?; 2 – Que ferramentas e estratégias você tem na mesa?; 3 – Você está sendo curioso, corajoso e desapegado de suas ideias originais em atacar o problema com as ferramentas e estratégias que identificou. Se você é um gestor e quer instigar isso no seu departamento, crie momentos dedicados à inovação e recompense toda criatividade genuína, seja ela frutífera ou não. Isso não é romance, é necessidade em tempos de mudança.

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