A união das bancas jurídicas em prol do desenvolvimento de melhores práticas de D&I

Cecília Margutti e Luanda Pires

Quando o assunto é mercado jurídico e, em especial escritórios de advocacia, impossível não vir à mente a associação imediata com ambientes extremamente tradicionais e conservadores, em que o machismo e o sistema patriarcal ainda imperam.

E tal associação não está desalinhada com a realidade.

Com efeito, até pouquíssimos anos atrás, pessoas LGBTQIAP+ inseridas em tais corredores sequer cogitavam falar abertamente sobre sua orientação sexual e/ou sua identidade de gênero. Precisavam simular uma vida cis-heterossexual, omitindo e, muitas vezes, mentindo sobre questões pessoais que são usualmente compartilhadas no convívio socioprofissional.

Não que a realidade atual seja diferente em grande medida. Muitas pessoas ainda vivem o ônus diário de omitir sua sexualidade e sua identidade de gênero, uma vez que não identificam, no âmbito de seu círculo profissional, um ambiente seguro e propício para serem elas mesmas. Disso decorre que, além da queda na produtividade, essas pessoas têm 73% mais chances de deixar seu emprego vis-à-vis funcionários cuja orientação sexual e identidade de gênero são assumidas.

Por via adversa, segundo a Pesquisa latino-americana sobre assédio, violência e discriminação à diversidade sexual no local do trabalho, 37,2% das pessoas entrevistadas reconhece ter vivido assédio, violência e discriminação no âmbito laboral em razão de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. Sendo que o número cresce para 74% quando são listadas tais violências. Ou seja, no momento em que são exemplificadas as agressões, a porcentagem de pessoas que reconhece ter sido violentada dobra!

Isso nada mais é do que a materialização da naturalização da violência. Essas pessoas são tão expostas à essas agressões no decorrer da vida, principalmente às micro agressões, que passam a não as entender como violência.

Esse cenário vem de uma cultura que perpetuou e cultivou, até os dias de hoje, discriminações e vieses inconscientes que disseminavam a validade da falaciosa meritocracia. Falaciosa, uma vez que esta mesma pesquisa demonstra que quando o mercado de trabalho recepciona pessoas LGBTQIAP+, recebe homens, cisgêneros, brancos, que perfomam os padrões masculinos socialmente impostos.

Contudo, podemos dizer que há uma sinalização positiva em prol da ampliação da representatividade desses grupos no mercado jurídico. Isso pois, diante de demandas sociais e de mercado, alguns escritórios passaram a implementar programas de diversidade e inclusão, com o fim de ampliar a diversidade em seus ambientes, implementado políticas e práticas institucionais de inclusão, voltadas para promoção da equidade e da segurança psicológica.

O impacto de tal cenário fica evidenciado pelo levantamento realizado pela Análise Advocacia Diversidade e Inclusão, divulgado em agosto de 2021 pela Análise Editorial, o qual constatou que, atualmente, 42% dos escritórios ouvidos felizmente já possuem programa de diversidade e inclusão.

Nessa toada – positiva, pode-se dizer com segurança –, os escritórios passaram a se unir em torno de movimentos empresariais como o “Manifesto pela Diversidade e Inclusão no Setor Jurídico” lançado pela Unilever em 2019, o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, a Aliança Jurídica pela Equidade Racial, o Movimento Mulher 360, entre outros, para criar uma agenda de trabalho efetiva em torno destas questões, deixando de lado a concorrência entre eles, cientes da responsabilidade social que têm para com a pauta dos grupos historicamente minorizados.

Isso sem falar de projetos de inclusão que contam com o engajamento dessas bancas, como é o caso do Projeto Incluir Direito, do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, em parceria com grandes universidades do Brasil. O Projeto, que foi vencedor do Prêmio Innovare de 2021, tem o objetivo de proporcionar maior participação e diversidade étnico-racial no universo jurídico, desenvolvendo uma atuação coerente e afirmativa, que contribua para a redução das desigualdades e da discriminação por meio de aulas complementares (inglês, redação, postura corporativa, entre outras) e programa de mentoria (cujos mentores são sócios e advogados sêniores dos escritórios integrantes do projeto) oferecidos a estudantes negros das universidades parceiras.

Fato é que esses programas de D&I adotados pelos escritórios não divergem em nada dos modelos adotados nas empresas no geral, que contemplam: (i) Comitês de Diversidade e Inclusão; (ii) Pilares específicos para cada grupo minorizado, compostos por grupos de aliados e de afinidade; (iii) ajustes nas políticas de recrutamento e benefícios; (iv) programas de mentorias; (v) workshops, treinamentos e comunicação voltados para sensibilização e conscientização; (vi) engajamento da alta liderança e fomento de cultura inclusiva; (vii) conexões empresariais; entre outros.

No entanto, a verdade é que, em que pese os programas existam, eles ainda são muito recentes. De qualquer modo, o ponto é que, independentemente da velocidade com que tal movimentação tem se dado, por tratar-se de questões estruturais, ainda existem muitos obstáculos a serem superados. Por isso a urgente necessidade de os escritórios entrarem em contato com a sociedade a que pertencem, tomando consciência da realidade das pessoas pertencentes aos grupos historicamente minorizados. Para que, assim, consigam entender a real necessidade de trabalharem pelas pautas de forma que sejam garantidas oportunidades reais a todas as pessoas.

Não adianta criar um programa sem se aproximar da realidade do que se passa no centro da cidade ou nas periferias e sem entender que os seus impactos devem refletir para além dos muros de cada escritório. Para isso, é necessário, por exemplo, que se posicionem contra políticas excludentes e discriminatórias em todos os âmbitos, entendendo que, mais do que político, tais posicionamentos são  fundados  em questões de direitos humanos e saúde pública!

Estamos falando de sociedades de advogados, profissionais que assumiram formalmente quando adentraram à Ordem o compromisso de “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis...”

O ano é difícil, a agenda sofre e sofrerá ainda mais com a polarização política, mas os escritórios estão unidos e isso é potente. Juntos há força suficiente para um trabalho social efetivo de mudança desse mercado tão dominado pelo tradicionalismo patriarcal excludente dos grupos minorizados.

Seguimos.

Cecília Margutti é Advogada, Gerente de Pessoas & Cultura

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