Iniciamos o indecifrável mês da Consciência Negra com uma mudança de grande relevância para a história do Brasil. A partir deste ano, o dia 20 de novembro foi oficialmente instituído como feriado nacional, por força da Lei 14.759/2023, que incluiu no calendário nacional o Dia da Consciência Negra e o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares. Essa conquista, motivo de celebração para muitos, também gera desconforto para alguns setores da sociedade.
É compreensível que alguns, inclusive figuras de destaque como o cineasta e narrador estadunidense Morgan Freeman, contestem a necessidade de um dia específico para a consciência negra, defendendo, em contraponto, um “dia da consciência humana”. No entanto, tal argumento ignora as particularidades históricas e sociais do Brasil. Após 136 anos do término do regime escravocrata, que vigorou por 388 anos entre o século XVI e 1888, quando a Lei Áurea foi sancionada, a população negra ainda vive sob os impactos da escravidão, com condições de desigualdade que ecoam os grilhões do passado.
Portanto, não basta apenas reconhecer um dia para celebrar a consciência negra; são necessárias inúmeras outras iniciativas que promovam a reparação histórica e o enfrentamento ao racismo estrutural. O 20 de novembro, que antes era uma data comemorativa sem caráter oficial, transforma-se agora em um marco de resistência e reflexão. Todavia, é evidente que a transformação desse dia em feriado nacional provocará ainda mais incômodo entre aqueles que já questionavam sua existência quando era apenas uma efeméride.
É certo que os racistas velados – aqueles que disfarçam seu preconceito sob a capa de argumentos aparentemente racionais – veem no feriado um motivo para reafirmarem, ainda que de forma implícita, sua rejeição à luta por igualdade racial. Entretanto, para a população negra consciente, esse tipo de reação não é novidade e não deve ser o foco de nossa preocupação. Devemos, ao contrário, concentrar nossos esforços em fortalecer alianças com aqueles que estão genuinamente comprometidos em reduzir desigualdades e eliminar o racismo.
Pesquisas realizadas por universidades conceituadas indicam que a espécie humana, o Homo sapiens, teve origem na África há aproximadamente 200 mil anos. Essa hipótese científica, amplamente aceita, reforça a ideia de que o continente africano é o berço da humanidade, sendo habitado pelos primeiros humanos. Assim, todos os seres humanos, inclusive figuras históricas de ideologias opostas à diversidade, como Adolf Hitler, possuem algum grau de ascendência africana. Essa reflexão sublinha que o Dia da Consciência Negra transcende barreiras étnicas ou raciais, sendo uma data para ser celebrada por toda a humanidade.
Aos líderes empresariais e institucionais que reconhecem a importância da diversidade e inclusão, apresento três razões essenciais para a celebração do Dia da Consciência Negra em suas organizações:
- Reconhecimento da representatividade
Vivemos em um país cuja população é majoritariamente negra, representando 56% dos brasileiros. É justo e necessário que essa parcela significativa da sociedade tenha um dia que reflita sua história, conquistas e desafios. Em um país que celebra datas tão diversas – desde o Dia das Árvores até o Dia dos Manobristas – que mal há em dedicar um dia para lembrar e valorizar a trajetória de um povo que tanto contribuiu para a formação da identidade nacional? - Momento de reflexão coletiva
O feriado serve como uma pausa estratégica para conscientização tanto de negros quanto de não negros. É uma oportunidade para se discutir o impacto do racismo e as condições de vida da população negra no Brasil. Mesmo os que se sentem incomodados com a data são forçados a refletir sobre os motivos de sua insatisfação, o que pode trazer à tona preconceitos velados e iniciar processos de transformação. Dessa forma, o feriado promove unidade cultural e reforça valores compartilhados que contribuem para uma sociedade mais justa e inclusiva. - Potencial econômico e social
Dependendo do setor de atuação, o feriado pode representar um impacto positivo para empresas e comunidades, ao estimular o comércio, os serviços e o turismo. Mesmo que uma empresa não seja beneficiada diretamente, ela pode se integrar em cadeias produtivas e atividades econômicas estimuladas pela data, gerando benefícios indiretos e lucratividade para si e para outros setores.
Assim, devemos celebrar o Dia da Consciência Negra com entusiasmo e gratidão. Ele é um pequeno, mas significativo passo na construção de uma sociedade que combate a discriminação e promove a equidade racial. Reconhecemos que ainda estamos longe de alcançar uma verdadeira igualdade, mas cada conquista deve ser valorizada como um tijolo na construção de um futuro mais justo e inclusivo.
Viva o Dia da Consciência Negra! Um dia para todo ser humano se chamar de seu!