“A responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros”. Essa é a ideia defendida inúmeras vezes por Milton Friedman e foi com essa frase que comecei um artigo publicado no Valor Econômico em dezembro de 2010, na qual discuti a importância do respeito aos direitos humanos pelas empresas e o quanto a visão de Friedman, ganhador do Prêmio Nobel de economia em 1976, estava ultrapassada.
Desde a aprovação dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, em junho de 2011, a exigência quanto o cumprimento de suas diretrizes tem se intensificado e, 12 anos após a publicação do meu artigo, a importância do respeito aos direitos humanos finalmente criou tração com a discussão acerca da relevância da incorporação dos critérios ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance) nos negócios.
Com a ascensão dos critérios ESG à agenda do mercado, as empresas são cada vez mais submetidas a um escrutínio detalhado quanto ao cumprimento das diretrizes que impõem a si próprias. A amplitude dos direitos humanos torna a tarefa de análise, compreensão e endereçamento destes um desafio complexo. Nesse sentido, a due diligence em direitos humanos é o processo mais adequado para a análise dos impactos sociais da atividade econômica e consiste em um processo contínuo, que exige revisão periódica e atualização frequente, bem como observância às disposições normativas aplicáveis. Sua principal finalidade é construir as bases para a elaboração de medidas concretas e adequadas para prevenir, mitigar e reparar os impactos provocados nos direitos humanos ao longo de toda a cadeia de valor da empresa: dos colaboradores aos clientes, fornecedores e comunidades onde atua.
No início do mês, a Comissão Europeia apresentou proposta de diretiva sobre o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, a qual prevê a responsabilização empresarial por danos ambientais e por violações de direitos humanos em sua cadeia de fornecedores, a nível global. A proposta chamada Corporate Sustainability Due Diligence foi elaborada em um contexto de transição da União Europeia para uma economia verde, em linha com outros compromissos assumidos pelo bloco, como o Green Deal Europeu e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Uma vez apresentada pela Comissão Europeia, a proposta deve ser debatida pelos Estados-membros do Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu.
A proposta de diretiva europeia é relevante na medida em que, caso sejam efetivamente adotadas pela União Europeia, deverão influenciar outros países e sobretudo empresas a tomarem iniciativas voltadas ao cumprimento de critérios ESG, a fim de manterem negociação com o mercado europeu.
Uma vez aprovada, a diretiva será aplicável a empresas europeias que tenham mais de 500 empregados e 150 milhões de euros de faturamento líquido; ou, no caso de empresas que operem em setores de alto impacto – como indústrias têxtil, agro, alimentícia e extrativista –, com mais de 250 empregados e 40 milhões de euros de faturamento líquido. Para empresas não europeias, as regras se aplicam apenas àquelas que exercem atividade dentro da União Europeia e cujo faturamento no espaço europeu esteja dentro dos mesmos critérios acima.
Na prática, as medidas recomendadas pela proposta da Comissão Europeia buscam proteger, de maneira eficaz, os direitos humanos previstos em convenções internacionais, bem como prevenir impactos ambientais adversos. Nesse contexto, as empresas submetidas à diretiva deverão tomar decisões estratégicas sobre o tema, pautando-se no equilíbrio entre a gravidade e probabilidade de diferentes impactos ocorrerem; as alternativas de solução disponíveis para a empresa diante de circunstâncias específicas; e o posicionamento dessas questões em sua ordem de prioridades.
Considerando que a incorporação da devida diligência na dinâmica de funcionamento das empresas depende do engajamento e compromisso de seus administradores com o tema, a diretiva também estabelece a obrigação dos administradores de implementar e supervisionar a aplicação da devida diligência na estratégia empresarial.
Para as empresas, observar as medidas propostas pela diretiva pode favorecer a melhoria da gestão de riscos e sua capacidade de adaptação; promover a conscientização institucional sobre os impactos negativos da empresa em direitos humanos e questões ambientais; inspirar maior confiança dos consumidores, bem como maior compromisso dos empregados; e chamar mais atenção da gestão para práticas inovadoras.
E, nessa medida, não poderia ser mais atual a conclusão do meu artigo de 2010: “As empresas multinacionais que já adotaram, dentro de suas políticas, o respeito aos direitos humanos são as maiores e mais importantes do mundo e estão, todas, obtendo resultados positivos, principalmente em relação aos investimentos recebidos e à respeitabilidade de sua imagem. Sem dúvida, há ainda um longo caminho a percorrer, mas a discussão acerca do respeito aos direitos humanos pelas empresas já foi inserida nas agendas e o retorno tem sido positivo. É uma questão de mercado. Em breve, não haverá mais escolha.”