Comece pelas palavras.
Sim, já começo o artigo com a resposta direta ao título e este texto poderia se encerrar por aqui.
Mas, se você não se deu por satisfeito com essa resposta – ainda, estendo o convite para que conclua essa breve leitura/diálogo até o fim.
Diálogo? Sim. É preciso reconhecer que a comunicação escrita também é um diálogo, pois as ideias são traduzidas em parágrafos, os quais precisam estar interligados e conectados, tal como uma conversa.
Contudo, se a escrita também é uma conversa, por que quando escrevemos, simplesmente esquecemos sobre as ferramentas e gatilhos que prendem a atenção do outro?
Por que na oratória buscamos poupar palavras ou escolher as mais precisas, enquanto na escrita jogamos uma enxurrada de sinônimos, prolixidade, redundâncias e textos enormes que sequer poderiam ser lidos em voz alta de tão cansativos que são?
No texto escrito você não escuta a voz do autor, tampouco o vê em movimento, portanto, torna-se ainda mais necessária a tradução e o cuidado com as ideias que precisam ser apresentadas.
Isso vale para um artigo, um texto, um e-mail, uma mensagem, um contrato, uma petição, um parecer, ou qualquer outro documento em que você se comunique por meio da escrita.
Portanto, você leitor, adepto da inovação jurídica, simpatizante do Legal Design, ou até negacionista da técnica, mas ao mesmo tempo curioso para entender melhor sobre o tema, seja bem-vindo, esse artigo é para você.
Já parou para pensar qual é a causa-raiz que leva/levou os profissionais juristas a buscarem pela técnica do Legal Design?
Se pudéssemos reduzir a resposta a uma única palavra, a palavra seria “comunicação”.
Sim, uma das razões que fez com que o Legal Design chegasse até nós, foi a necessidade de melhorar a comunicação jurídica. Ou melhor, foi a dificuldade em se comunicar de maneira precisa, objetiva e eficiente, que fez com que os profissionais do direito buscassem por ferramentas multidisciplinares.
Mas, de onde vem tal dificuldade em se expressar e tal ruído na comunicação jurídica?
A prática da advocacia sempre foi marcada pelo uso da linguagem rebuscada, pelo famoso (e até temido) juridiquês, com exageros de termos técnicos e expressões em latim (periculum in mora), além da formalidade na fala que, embora carregue a sua devida importância histórica e precisão técnica, o grande perigo/periculum é criar essa enorme barreira entre o jurídico e os usuários/clientes a quem se serve.
Essa barreira foi criada há muitos anos, e foi chancelada pelos bancos das Faculdades de Direito. Colocando os juristas em silos isolados e, muitas vezes, desconectados das demais áreas. O contexto histórico é tão antigo, que ao olharmos os documentos de 500 anos atrás, encontraremos basicamente a mesma estrutura de carta e um formato ainda muito semelhante ao atual.
Parece irreal que algo tenha sobrevivido com um formato quase inalterado ao longo de 500 anos de história, mas sim, os documentos escritos – principalmente os de conteúdo jurídico – conseguiram tal façanha.
Contudo, superado o contexto histórico, vamos nos concentrar no presente. Neste artigo, o foco está em provocar o desenvolvimento da comunicação escrita nos documentos jurídicos. Portanto, convido você a refletir.
Já parou para pensar:
→ que a comunicação não é o que você fala, mas o que o outro entende?
→ que o responsável pela compreensão da mensagem é o emissor e não o receptor?
→ na quantidade de termos técnicos e não acessíveis usamos na rotina do trabalho?
→ no quanto a linguagem complexa e inacessível pode, confundir ou até mesmo intimidar?
Superados esses questionamentos e puxando novamente para o universo jurídico, o Legal Design acaba sendo a porta de entrada da linguagem inclusiva nos documentos jurídicos, sendo exatamente a escada que nos tira do juridiquês e suas complexidades e nos leva até a compreensão, tal como se vê na simples ilustração abaixo:
Portanto, como usar o Legal Design como essa “escada” que nos leva até uma melhor compreensão?
Talvez não seja possível subir todos os degraus dessa escada de uma vez, mas, convido você a conhecer alguns desses “steps” e, aos poucos, degrau a degrau, melhoraremos a nossa comunicação por meio das recomendações selecionadas abaixo:
- Evite termos técnicos e siglas (sem a devida explicação sobre o que significam).
- Divida textos longos em parágrafos curtos.
- Evite redundâncias.
- Evite sinônimos desnecessários.
- Busque uma organização lógica das ideias, pensando na hierarquia da informação: o que for mais importante ou de maior interesse, deve vir primeiro.
- Avalie incluir um sumário ou um quadro-resumo para guiar o leitor.
- Simplifique: menos é mais.
- Pratique o desapego. É preciso ser crítico e desapegar do que não é necessário.
- Por fim, lembre-se: comunicação escrita também é diálogo!
Além das recomendações acima, ao iniciar um projeto de Legal Design, também é importante que você responda as seguintes perguntas:
- Para quem é o documento?
- O texto está compreensível para o público leitor?
- Qual é o objetivo do documento que está sendo redigido?
- Como o leitor gostaria de ler o documento?
- Como você poderia melhorar a experiência da leitura?
- Seria válido o uso de recursos visuais?
- Os recursos visuais usados são estratégicos e possuem uma função clara?
Função é a palavra-chave. O Legal Design é a concepção de um produto jurídico no que se refere a sua forma e funcionalidade. Portanto, precisa ser útil, precisa ter função.
Desta forma, aquela técnica ou aqueles recursos visuais que não tenham uma função efetiva, precisam ser repensados ou até retirados.
E aproveitando a menção aos “recursos visuais” no parágrafo acima, já estamos chegando ao final do artigo e ainda nem tratamos sobre tipografia, fonte, ergonomia visual, respiros na página, contraste, espaçamento entre linhas, margens, poluição visual, observância de identidade de marca, entre outros tópicos. Mas, tudo bem, esse será um diálogo para um próximo texto.
Aqui o combinado foi tratar sobre como começar no Legal Design, e na primeira linha já tínhamos a resposta sobre iniciar pelas palavras, pois de nada adianta aplicar todas as técnicas de design mais inovadoras, se o texto do seu documento jurídico não contribuir para uma boa comunicação.
Por fim, se você chegou até aqui, significa que de alguma forma, o nosso diálogo foi eficaz e teve alguma função, caso contrário, eu não te encontraria aqui, quase seis mil caracteres depois do início. E é isso que devemos buscar em nossos documentos jurídicos, que eles sejam lidos até o fim. Chega de produzir documentos que ninguém lê!
Isabela Câmara
Advogada e Legal Designer com MBA em Gestão e Business Law (FGV). Atualmente, Coordenadora Jurídica na Caldic Latam. Anteriormente, trabalhou na Braskem S.A, LG Electronics e em escritórios de advocacia como ASBZ e Demarest. Cofundadora da comissão de Inovação Jurídica no Alumni Direito Mackenzie, Cofundadora e Líder da Comunidade ACC Brasil, Coautora do Livro Jurídico 5.0 e Operações Exponenciais. Professora na Future Law e Mentora de Alunas Bolsistas da Faculdade de Direito do Mackenzie.