O departamento jurídico contemporâneo nas organizações está cada vez mais amplo, mas nem sempre mais estratégico

Um dos maiores sonhos da advocacia corporativa ao longo dos últimos 50 anos era o fortalecimento da área nas organizações, através do “report” direto à presidência, do envolvimento no negócio, da atuação preventiva e colaborativa com todas as demais áreas, bem como poder contar com equipes e orçamentos “budgets” adequados e realistas, sem contar a própria credibilidade e influência da área.

Muito se caminhou nesses temas ao longo desse período, e em várias frentes, como a conscientização da alta gestão, e das demais áreas nas organizações, de que os “jurídicos” são igualmente executivos, conhecem o negócio, produzem resultados positivos (inclusive financeiros), evitam perdas (prejuízos, multas, processos etc.), querem apoiar/ajudar, e tem o mesmo objetivo, qual seja o fortalecimento e a criação de valor na empresa.

E a advocacia empresarial, que por bastante tempo tinha sido a base do que depois evoluiu e se especializou para o que passou a ser chamada de advocacia corporativa (ao adaptar-se de fato ao mundo corporativo), percebeu, também, que precisava estudar e especializar-se, adequar-se/adaptar-se, ajustar mentalidade, práticas, maneiras de trabalhar e de se comunicar, transformar sua visão de riscos e de oportunidades à realidade corporativa etc.

Realmente houve bastante avanço, e o que já foi um sonho passou a ser realidade, permitindo, inclusive, a criação de uma “nova” oportunidade de atuação e de especialização na advocacia, com ganhos para todos, em especial para as organizações que passaram a ser mais seguras, e conquistaram condições de atuação com mais eficiência, preservando e gerando valor.

Nesse novo cenário, temos que observar dois aspectos basilares para o que se pretende questionar, qual seja a efetividade do aspecto estratégico na advocacia corporativa, sua real autonomia e independência, e a adequação dos organogramas, das equipes, dos escopos, dos recursos que lhe são alocados de forma geral, e do “orçamento/budget”.

O que repetimos que já foi um sonho, agora é realidade, mas de que forma?

Temos, então, que revisitar alguns pontos de todo o conceito, escopo, e até razão de ser dos departamentos jurídicos nas organizações, para com isso tentarmos avaliar de fato a inegável evolução gerou aumento de relevância.

E tais aspectos são resumidos no conjunto de condições de atuação efetiva do departamento jurídico que são (ou não) disponibilizados pelas organizações, passando pelo escopo, e a efetividade de suas opiniões e orientações (ou seja, seu real papel estratégico).

Um dos pontos que aqui salientamos é a chamada “reorganização” dos departamentos jurídicos, que vem ganhando mais força ao longo dos últimos 10 anos, com a anexação de mais temas e áreas ao seu escopo.

Optou-se, como perigosa tendência, pela redução de custos através da união de áreas e setores, gerando uma espécie de área “curinga”, à qual se adiciona diversas outras, atuais e futuras.

A realidade mais comum nas organizações brasileiras costuma ser (especialmente nas organizações de médio e de grande porte – ainda que essas classificações sejam imprecisas) a existência de departamentos jurídicos que se ocupam, também, de governança corporativa, de “compliance”, de relações institucionais e governamentais, Regulatório, Ambiental, Direito Digital e DPO, Fusões e Aquisições, e de sustentabilidade/E-ESG, além de (em muitos casos) relações de trabalho e recursos humanos, comércio exterior, comunicação, relações com o mercado, gestão de crises etc.

Essa “super área” seria, em verdade, uma forma de se aumentar a relevância, a importância, o impacto e o valor estratégico da área, com sua ascensão no organograma, melhoria da qualidade das análises e das opiniões, ou estaria em criação uma área pesada demais, que passa a ser vista como cara, e que por não ter os recursos adequados (de tempo, de formação e de experiência, de pessoas e financeiros, além de autonomia e mesmo de foco)?

Recomendamos cautela na análise desse cenário, pois à primeira vista o leitor pode ser levado a acreditar que os departamentos jurídicos mais amplos, com escopo muito maior, sejam necessariamente mais estratégicos, mais efetivos, mais eficientes, mais importantes, mas propomos um segundo olhar, mais profundo e mais amplo, de forma a provocarmos uma reflexão maior.

Ainda que logicamente não se deva, e nem se possa generalizar, pois cada organização tem a sua própria realidade, o aumento de “escopo” dos departamentos jurídicos nos parece preocupante, e o tema indica merecer bastante atenção – do leitor e do mercado.

Poucos tem sido os exemplos de organizações que vem implementando essas “reestruturações”, e ampliando o mencionado escopo, com vista a maior qualidade, maior segurança, e maior importância estratégica desses temas/áreas, uma vez que “via de regra” o que se busca é apenas e simplesmente a redução de custos.

Em termos de qualidade da operação, o risco observado tem vários pilares, pois além de que um setor/departamento com tantos flancos, tende a perder foco e efetividade, seja pela falta de formação e especialização “em tantas áreas, como se a própria advocacia corporativa por si só já não fosse suficientemente complexa e desafiadora.

O tema do “foco”, ao que se soma o potencial conflito de interesses, nos preocupa, pois é sabido que para atender a tantas áreas e especialidades, seria necessário que tanto a área quanto as pessoas que nela atuam conseguissem, ser totalmente neutras e isentas quando apresentadas a questões que pode gerar conflitos como o jurídico e o “compliance”, o jurídico e a governança corporativa, o jurídico e o DPO, e o jurídico e a sustentabilidade. E a realidade não parece demonstrar condições de alcance dessa intenção.

Outro ponto bastante prático é que via de regra (e costumam ser poucas as exceções) os departamentos jurídicos “tradicionais” sempre tiveram que lutar por recursos, de tempo, de pessoas/equipe e de dinheiro, de forma que a lógica razoável seria esperar-se que qualquer ampliação de escopo e união de áreas implicasse, minimamente, em ampliação das equipes e dos recursos – o que não costuma ocorrer.

Se o mais comum tem sido as áreas não terem tempo de atender a todas as demandas, e não tem mais uma boa concepção dos recursos, além de terem frequentemente determinações de cortes de pessoal e de orçamento, sem contar que por vezes são forçadas a “internalizar” áreas e temas antes terceirizados; para os quais nem sempre conseguem apoio para formação, especialização e mesmo recursos de forma geral.

Pontuamos ainda que tem sido frequente a observância de exemplos em que não apenas as mencionadas áreas são muito amplas e, injustamente consideradas pesadas e caras, como ainda tem sido chamadas de lentas (o que nem mesmo faria sentido de crítica, uma vez que recebem muito mais tarefas do que recursos), sem contar que muitas deixaram de “reportar” diretamente à presidência, tiveram o “título da liderança” reconfigurado de forma a reduzir seu papel na organização, e ainda perderam a autonomia para contratar apoio externo, seja de consultorias ou escritórios.

Sem condições de equacionar demandas, tarefas, recursos, autonomia, equipe, orçamento, contratações externas, prazos e prioridades, sem contar os potenciais conflitos de interesses, e mesmo de conseguir a necessária especialização “em tudo”, torna-se bastante questionável se esse “caminho” é mesmo no melhor interesse das organizações.

Seria impossível deixar de mencionar, também, questões como automação, sistemas, “legalops” e Inteligência Artificial, que embora sejam questões “paralelas”, também integram o tema geral do valor estratégico dos departamentos jurídicos, uma vez que ainda que seja prematuro, já há quem defenda que tais questões tendam a reduzir a participação (e a importância) dos humanos nessa área.

E somemos, ainda, a essa “Nova” realidade, igualmente preocupante fato de que em muitos casos, além da ampliação do escopo, junção de muitas áreas, redução de equipe e de relevância nas organizações, bem como redução de orçamento e de autonomia (inclusive para contratações, ainda estejamos verificando a demissão/o desligamento dos colegas mais experientes e seniores (ainda bem jovens) que justamente tinham trilado uma longa jornada de aquisição de conhecimento e de experiência; “jogada fora” com a sua prematura partida.

Como, repetimos, “cada caso é um caso”, as questões aqui levantadas e propostas não terão resposta geral, nem única, mas recomendamos essa reflexão, mas realidade da sua organização e do mercado de forma geral, para que juntos consigamos responder se a área jurídica está de fato conseguindo ser mais estratégica, e melhorando o seu efetivo apoio às empresas.

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