A gestão de contratos com apoio de Inteligência Artificial já não é exclusividade das grandes corporações. As plataformas em nuvem tornaram o acesso a essa tecnologia mais simples, acessível e escalável, permitindo que pequenos escritórios e departamentos jurídicos operem com o mesmo nível de eficiência e segurança de grandes empresas.
Para entender com profundidade o tema, entrevistamos Vinícius Espíndula Brasileiro, Co-CEO e cofundador da Forlex, que detalhou como o uso inteligente da IA pode liberar tempo, reduzir riscos e transformar informações contratuais em decisões estratégicas, ampliando o alcance e a eficiência das equipes jurídicas.
1. Quais tipos de contratos são mais indicados para gestão com apoio de soluções de IA?
Embora a IA possa beneficiar a gestão de qualquer contrato, podemos dividi-lo em duas categorias: Primeiro, os contratos de alto volume e padronização, como os Acordos de Confidencialidade (NDAs), Contratos de Fornecedores, Prestação de Serviços e Locação. Nesses casos, a IA pode atuar como uma força de automação em massa, analisando centenas de documentos em minutos para garantir a conformidade com as políticas da empresa e extraindo dados essenciais sem qualquer intervenção humana. O ganho de eficiência é imediato e massivo. Segundo, os contratos de alta complexidade e valor estratégico, como os de Fusões e Aquisições (M&A). Aqui, a IA pode atuar como ferramenta essencial para o advogado sênior, fazendo a “due diligence” inicial ao identificar cláusulas de riscos, desvios de padrão ou pontos que exigem atenção humana imediata. Ela acelera a revisão e permite que a equipe jurídica foque seu tempo na estratégia da negociação, e não na busca manual por informações. Uma plataforma robusta, portanto, deve ser versátil para entregar tanto a eficiência da automação em escala quanto a precisão cirúrgica na análise de risco.
“A IA atua como um ‘multiplicador de força’, permitindo que uma equipe pequena opere com a eficiência e a segurança de uma grande corporação.”
2. Quais são os principais benefícios que a Inteligência Artificial pode trazer para a gestão de contratos em empresas e escritórios de advocacia?
Os benefícios transcendem a simples agilidade. Eu os agruparia em três pilares estratégicos:
a) Eficiência operacional: É o benefício mais óbvio. A IA automatiza tarefas repetitivas como a extração de datas, valores e obrigações, além de gerenciar alertas de prazos. Isso libera os profissionais do direito de um trabalho de baixo valor agregado para que possam se concentrar em atividades que exigem raciocínio crítico e estratégia. O ciclo de vida de um contrato, da sua criação à assinatura, é encurtado.
b) Segurança e Mitigação de Riscos: Talvez o pilar mais importante. O erro humano é uma realidade na gestão manual. A IA reduz drasticamente as chances de um prazo de renovação ser perdido, uma cláusula desfavorável passar despercebida ou um contrato estar fora do padrão de compliance da empresa. Essa gestão proativa de riscos protege a organização de multas, perdas financeiras e litígios.
c) Inteligência aplicada aos negócios: Este é o grande diferencial. Ao transformar documentos estáticos em dados estruturados, a plataforma de IA que oferece uma ferramenta adequada permite uma visão completa do portfólio de contratos. Gestores podem fazer perguntas como: “Quais contratos vencem nos próximos 90 dias?” ou “Qual a nossa exposição financeira total em contratos indexados por determinado índice?”. O departamento jurídico deixa de ser apenas uma área de suporte reativo e passa a ser um parceiro estratégico que fornece insights valiosos para a tomada de decisão da empresa.
3) Existe diferença no impacto da IA na gestão de contratos em pequenas e grandes empresas?
Sim, o impacto é significativo em ambas, mas a “dor” que a IA resolve é diferente. Nas grandes corporações, o desafio é a escala e a complexidade. Elas possuem milhares de contratos espalhados por diferentes departamentos e geografias. O principal impacto da IA é trazer governança, padronização e visibilidade centralizada. Ela garante que as políticas da empresa sejam seguidas em todos os níveis e oferece uma visão consolidada dos riscos e oportunidades contratuais, algo que humanamente é desafiador de se fazer. Já nas pequenas e médias empresas, o desafio é escassez de recursos. As equipes são enxutas e um advogado muitas vezes acumula diversas funções. Nesse cenário, a IA atua como um “multiplicador de força”, permitindo que uma equipe pequena opere com a eficiência e a segurança de uma grande corporação. Ela democratiza o acesso a uma gestão de contratos de alto nível, conferindo agilidade e profissionalismo que antes eram inacessíveis. A vantagem das plataformas SaaS modernas é que elas são escaláveis, permitindo que pequenas e médias empresas comecem com um escopo focado e cresça em complexidade conforme sua necessidade, nivelando o campo de jogo.
4) Quais são os limites atuais da IA na análise jurídica de contratos?
É fundamental sermos transparentes sobre isso. A IA é uma ferramenta poderosa de análise de padrões, mas não de compreensão. Seus limites residem em áreas que exigem julgamento humano. Primeiro, a subjetividade e a intenção. A IA não consegue interpretar ambiguidades complexas ou entender o contexto comercial por trás de uma cláusula mal redigida. Ela identifica o que está escrito, mas a interpretação da intenção das partes ainda é uma tarefa humana. Segundo, o raciocínio jurídico estratégico. A IA pode identificar uma cláusula de responsabilidade, mas não seria adequado depositar nela a responsabilidade de criar uma tese jurídica inovadora para uma negociação ou litígio. A estratégia, a persuasão e a criatividade na aplicação do direito são, e continuarão sendo, domínios do profissional. Por isso, vemos a IA como uma aliada, não uma substituta. Ela cuida do trabalho pesado e analítico — o “o quê” —, para que o advogado possa focar no trabalho estratégico — o “e daí?” e o “o que fazemos agora?”.
5) Na sua visão, quais são os principais equívocos ou resistências que profissionais ainda têm em relação ao uso da IA nessa área?
A resistência geralmente nasce do medo da substituição, da percepção da complexidade e custo e da desconfiança na precisão. Muitos acreditam que a IA veio para tomar o lugar do advogado. Isso é um mito. A IA automatiza tarefas, não profissões. O profissional que não usar a tecnologia para se tornar mais eficiente e estratégico, sim, corre o risco de ficar para trás, mas não para uma máquina, e sim para outro profissional que domina a ferramenta. Há também uma ideia de que implementar IA é um projeto faraônico, caro e demorado. Isso talvez fosse verdade no passado. Hoje, com as soluções em nuvem (SaaS), a implementação é rápida, a interface é intuitiva como a de um aplicativo de celular, e o modelo de assinatura torna o investimento acessível até para pequenos escritórios. Uma resistência natural é questionar se a máquina é realmente confiável. É uma preocupação legítima. A resposta está no modelo de colaboração: o objetivo não é a automação cega, mas a “confiança verificada”. A IA sinaliza os riscos, destaca as informações e sugere ações, mas a validação e a decisão final são sempre do profissional. Ela é um poderoso “copiloto”, mas o advogado continua (e continuará) sendo o piloto.
Vinícius Espíndula Brasileiro é Co-CEO e cofundador da Forlex. Com mestrado em Ciências da Educação e especialização na área jurídica, sua carreira inclui passagens como assessor jurídico (MPGO), assessor de juiz (TJGO), docente e advogado. A experiência com a sobrecarga do setor o motivou a se dedicar na otimização do trabalho por meio da inteligência artificial para automatizar tarefas jurídicas e permitir que profissionais foquem em atividades estratégicas.