“Não vamos acionar o jurídico, não. Eles vão atrapalhar.” Já ouviu essa frase? Ou já falou essa frase?
Dói saber que ela ainda é dita. Por muitas áreas de negócios, de marketing, de produtos. Especialmente porque, em muitos casos, ela até pode ser realidade. Mas não deveria. Não faz sentido. Pensa só.
Como qualquer outra área da empresa, o time jurídico, de compliance, de proteção de dados, também tem seus processos, fluxos e SLAs. Normal, né? Também tem metas, alinhamentos, planejamento estratégico, tático, operacional. Além disso, é a área cobrada para ser a principal camada de defesa da empresa, ou seja, responsável por avaliar riscos potenciais de coisas que ainda não aconteceram, que não se sabe se irá acontecer e, caso se materializem, também é a área responsável por desenhar estratégias de defesa e contornar os problemas.
Se a empresa fosse um time de futebol, esta camada de defesa pode ser comparada ao goleiro. Passou, é gol. E, é óbvio, em um mundo concorrido, ninguém quer levar gol. No entanto, como o goleiro, não defende sozinho. O goleiro precisa da zaga ali, marcando em cima e evitando deixar tudo tão aberto. Da mesma forma, a camada de defesa não ganha jogo sozinha. Se ela defender tudo, ainda assim, no máximo, o jogo empata, certo? O time precisa dos atacantes que irão garantir gols e abrir vantagens. Ao mesmo tempo, se o time só tiver atacantes e fizer muitos gols, mesmo assim, pode tomar gols e acabar perdendo o jogo.
Justamente porque ela não ganha jogo sozinha, acaba sendo injustiçada como se não fosse parte do time. Tão necessária quanto avançar no ataque, a zaga e o goleiro se fazem percebidas muito mais quando tomam gol, do que quando defendem. Experimente ter um ataque incrível, matador, cheio de gols, mas não ter defesa. Pode ter certeza de que a vitória não está garantida. Experimente, também, ter um time de zaga + goleiro(a) sensacional, que fecha tudo. Parece bom, né? Mas, no final, este será um jogo zerado e empatado. O time pode não fará nenhum gol, já que está sem atacante, e também não tomará nenhum gol.
Portanto, o ideal é que seja um ganha- ganha: o time de ataque faz gol, abrindo o placar; e a camada de defesa impede de acontece-los. Esse é o mundo que todos queremos: produtos bons, que resolvem necessidades reais do usuário, com segurança, do jeito certo.
A camada formada pelo jurídico e áreas conexas, também recebem estas críticas. Caso o SLA não seja exatamente o desejado, recebe críticas. Caso solicite alterações, recebe olhares feios. Caso queira mais explicações, parece até que xingou alguém. Se houver processos ou multas, são considerados culpados isoladamente.
Essa aparente colisão entre áreas de negócio e áreas de defesa não deveria caber em time coeso, unido e focado. Até porque, esta colisão não existe.
Claro, ainda temos times de defesa que se posicionam como amantes da palavra “não”: isso não pode, isso não deve, isso não recomendo. A camada de defesa deve ser alinhada ao negócio na mesma medida que deve garantir segurança jurídica para ele.
Jamais ser um falador de “sim” incondicional, sem avaliar, mas longe de ser a área que deve ser evitada. Deve participar da estratégia de negócio desde o começo, ajudar a pensar, encontrar caminhos, estruturar. Em proteção de dados, existe o conceito de Privacy by Design, preconizado por Ann Cavoukian no Canadá, positivado na GDPR europeia e traduzido na LGPD como privacidade desde a concepção.
E se tivéssemos Compliance by Design, Legal by Design, “tudo-o-que-os-in-house-counsel-se-dedicam-a-fazer by design”?
E se desde a concepção de um novo produto, projeto, campanha, processo, pudéssemos entender as possíveis barreiras e riscos jurídicos e como contorná-los? Poderíamos fazer com que a concepção fosse o momento de sermos criativos com as limitações e obrigações impostas, com os caminhos possíveis, e pavimentar não só uma rua, mas avenidas completas para os times de negócio.
Da mesma maneira que um projeto, em seu início, precisa ser avaliado quando a possibilidade de execução, em termos de recursos humanos para ser realizado; se existe orçamento financeiro disponível; tempo dispendido; resultados almejados; deveria também ser avaliado quanto a riscos jurídicos, de proteção de dados, regulatórios, prevenção a lavagem de dinheiro e até impacto operacional nas áreas de suporte. Isso permitiria que o time das camadas de defesa pudesse orientar o projeto ainda na prancheta, mitigar os riscos e aperfeiçoar os detalhes que ainda ficaram. Também criaria uma matriz de risco unificada sob as óticas financeira, operacional, jurídica e outras vertentes.
Ninguém quer um(a) goleiro(a) que permita gols. E nem um(a) que não faça parte do time.

Lara Rocha Garcia
Doutora e Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com foco em Inovação, Saúde, Proteção de Dados e Inteligência Artificial. Visiting Scholar pela Columbia Law School (EUA). Especialista em Inovação e Empreendedorismo por Stanford Graduate School of Business (EUA). Professora e Advogada de Direito Digital, Inovação, Compliance e Proteção de Dados. Foi Gerente de Inovação do Hospital Israelita Albert Einstein e liderou a área de produtos do Dr.Consulta. Data Protection Officer Edenred Brasil.