Apesar da visão que costumamos ter sobre o mercado jurídico se tratar de um campo tradicional, o fato é que ele não está isento do impacto decorrente das transformações tecnológicas. Muitas inovações nesse sentido têm incentivado que o Direito incorpore o uso da tecnologia em processos cotidianos dos profissionais e na gestão dos escritórios de advocacia. Surge, assim, a importância da criação de um departamento voltado para tratar esses assuntos.
Para ampliar essa discussão, conversamos com Paola Karina Ladeira, sócia do escritório Chenut Oliveira Santiago – Sociedade de Advogados, no qual é responsável pela implementação e desenvolvimento do time de Inovação. Possui graduação pela UFMG e pós-graduação em Direito de Empresas pela PUCMINAS.
- Estamos assistindo à escalada da alta tecnologia em diversos setores do mercado, e na advocacia não é diferente. Qual a importância do mercado do Direito acompanhar inovações tecnológicas?
O Direito precisa acompanhar as mudanças da sociedade e, em geral, é um ramo que demora mais a se incorporar às novidades depois de um tempo de maturação em setores de maior vanguarda, como a área de tecnologia, por exemplo.
Grande parte das inovações que temos visto nos últimos anos dizem respeito à forma como as pessoas se comunicam: seja pelo metaverso, redes sociais cada vez mais presentes e, mais recentemente, inteligência artificial. Isso demonstra que o mundo tem caminhado para uma comunicação mais eficiente, dinâmica e próxima das pessoas. O Direito, tradicionalmente um mercado formalíssimo e conservador, precisa incorporar essas novas formas de linguagem, tanto para facilitar a vida dos cidadãos – seja na redação de leis e normativos mais simples e diretos – quanto para tornar as relações entre advogados, Poder Judiciário, empresas e clientes mais simples e eficazes. É impensável, hoje em dia, que o cliente/departamento jurídico de uma empresa precise traduzir um parecer que recebeu do seu escritório para uma reunião de conselho. Mas sabemos que, por enquanto, é a realidade em muitos lugares e muitas tecnologias que estão chegando ao mundo jurídico que podem ajudar a mudar esse cenário.
Assim, é fundamental que o Direito acompanhe essas mudanças e adapte o seu jeito de comunicar.
- No entanto, sabemos que nem toda inovação serve para qualquer negócio. Quais são os principais erros quando falamos em inovação na advocacia?
O primeiro erro é pensar inovação e tecnologia como sinônimos e, mais além, a tecnologia como um fim em si mesma. É preciso pensar a inovação como um valor e a tecnologia como ferramenta para atingir os objetivos. Nesse sentido, é necessário ter cuidado com a ‘inovação vaidosa’, sem profundidade ou efetividade. Antes de desenvolver qualquer projeto de inovação, pensamos sempre em 3 perguntas:
- Qual transformação queremos gerar?
- Estarei reduzindo custos ou otimizando processos?
- O negócio suporta passar pelo processo de inovação nesse momento?
No Chenut, nós pensamos a inovação como um pilar de transformação cultural e nosso objetivo é que todos do escritório possam se considerar inovadores em suas áreas de atuação, desde o estagiário, colaborador do administrativo, até advogados e sócios. Dar liberdade para a equipe pensar e testar modelos é fundamental.
Comunicar de forma mais eficiente e assertiva, criar fluxos que otimizem o trabalho e reduzam custos e desenvolver novas formas de precificação de honorários são exemplos de inovações jurídicas que qualquer área ou porte de escritório poderia implementar.
- Dito isso, quais você diria que são os principais desafios na criação do departamento de inovação para um escritório de advocacia?
Primeiro, é fundamental que a alta gestão do escritório, sócios e gestores estejam alinhados e acreditem na ideia e na importância de um departamento ou área de inovação. O exemplo vem de cima e, nas nossas pesquisas internas, percebemos que quanto mais os sócios se engajam, mais a sua equipe adere à inovação.
Em segundo lugar, é importante trazer talentos multidisciplinares para compor a equipe e buscar o olhar para além do Direito: muitas habilidades (design, dados, copywriting) necessárias são desconhecidas pelos advogados. Todavia, para esse ponto é fundamental preparar o ambiente e as pessoas para receber essas pessoas, com trilhas e planos de carreira adequados.
Além disso, é fundamental que a mentalidade de aversão ao risco seja revista, uma vez que não existe tentativa bem-sucedida sem erros e frustrações. Nesse sentido, é importante que os recursos utilizados sejam disponibilizados para que se criem protótipos, produtos mínimos viáveis, que reduzem a chance de prejuízo, mas não impedem a experimentação de novas soluções.
- Quais as 3 dicas que você daria para desenvolver a inovação dentro de uma empresa?
Aqui no Chenut, nós contratamos uma pessoa dedicada a pensar e gerir a inovação do início ao fim. Isso tira das costas da equipe técnica a tarefa de gestão de projetos e produtos que, em outro cenário, acaba ficando para segundo plano frente às demandas técnicas do dia a dia.
Depois disso, é importante identificar projetos e produtos que permitam um resultado rápido (quick-win): vitórias rápidas e concretas que demonstrem a capacidade de entrega do departamento e ajude a espalhar os resultados obtidos mais rapidamente. Essa iniciativa ajuda no convencimento daqueles que são mais céticos com relação à inovação no Direito.
Por fim, é fundamental comunicar as ações de inovação ostensivamente, para que colaboradores, clientes e mercado jurídico estejam cientes das inovações que o escritório tem feito e possam perceber a geração de valor da inovação, seja ao poupar o tempo de um cliente ao analisar um relatório ou ao aumentar a efetividade de uma peça jurídica mais visual, por exemplo. Junto a esse ponto, desenvolvemos métricas para controlar os resultados gerados, como horas poupadas da equipe após a aplicação da inovação. Esse é um ponto importante para a continuidade das ações inovadoras. Visualizar bons resultados engaja e promove a confiança no processo.