No Brasil, o agronegócio vem se destacando cada vez mais como um dos principais pilares da economia nacional. Por esse motivo, o interesse em assuntos legislativos e jurídicos do Direito do Agronegócio também se intensifica para fortalecer e sistematizar o setor e suas atividades comerciais.
Para discutir esse tema, conversamos com sócios da TozziniFreire Advogados, que nos trouxeram diferentes perspectivas acerca da atuação jurídica sobre o agronegócio e as previsões para o setor.
- Como é a atuação do advogado em uma atividade extremamente complexa como o agronegócio?
O/A advogado/a que atua no setor do agronegócio, antes de tudo, deve conhecer o negócio específico de seu cliente. Ou seja, precisa conhecer os detalhes operacionais e comerciais do ramo de atividade do/a cliente, bem como compreender quais são os stakeholders determinantes para as práticas empresariais do/a cliente e do setor como um todo. Ademais, é preciso estar bem atualizado/a com as tendências econômicas e de regulação jurídica do setor, averiguando quais seriam as melhores oportunidades a serem exploradas. Além, por fim, de ter um olhar jurídico sobre as questões inerentes ao agronegócio, o/a advogado/a precisa estar sempre atento/a à importância das práticas de ESG, as quais são fundamentais para o sucesso de toda e qualquer organização no atual universo do agronegócio nacional. – Elias Marques de Medeiros Neto, Sócio de Resolução de Disputas de TozziniFreire.
- De que forma a Reforma Tributária impacta esse setor?
A atual tributação sobre o agronegócio considera as peculiaridades do setor como a dependência climática, o risco de pragas, a sazonalidade, a amplitude da cadeia produtiva e mesmo a informalidade para trazer um modelo mais benéfico com alíquotas zero, isenções, diferimentos, suspensões e créditos presumidos sobre os tributos incidentes sobre o consumo, no caso, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e as contribuições sociais sobre a receita (PIS/COFINS).
A proposta de Reforma Tributária – aprovada em julho de 2023 na Câmara dos Deputados e atualmente em trâmite no Senado Federal – elimina esses quatro tributos e cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência dos Estados e Municípios e a Contribuições sobre Bens e Serviços (CBS) a cargo da União Federal. Nos parece que a proposta busca endereçar a questão do agronegócio ao trazer a possibilidade de alíquotas reduzidas em 60% ou até 100% sobre produtos agropecuários, pesqueiros, florestais, extrativistas vegetais in natura, insumos agropecuários e alimentos destinados ao consumo humano, produtos hortícolas, a serem definidos em lei complementar. Além disso, a proposta (i) cria a Cesta Básica Nacional de Alimentos para que determinados produtos destinados à alimentação, definidos em lei complementar, tenham alíquota zero; e (ii) traz uma previsão específica para o produtor rural com receita anual inferior a R$ 3,6 milhões lhe oferecendo a opção para que seja contribuinte dos novos tributos; ou, na hipótese de não contribuinte, haja previsão para crédito presumido.
Embora essas medidas se alinhem à preocupação por uma tributação mais favorecida para um setor essencial para a economia do país e que está diretamente ligada à segurança alimentar, ainda assim há outras alterações que impactam o setor e precisam ser repensadas, como o crédito acumulado de ICMS e a previsão de que, após 2032, serão pagos pelo Governo Federal em 240 meses (20 anos). Esse prazo longo para devolução afeta negativamente o setor, que é sabidamente acumulador de crédito de ICMS em razão da sua operação e por ser predominantemente exportador. Nesse ponto, a proposta deveria prever prazo reduzido para devolução desses créditos e, além disso, trazer previsões sobre a devolução do saldo credor de PIS e COFINS.
Imagina-se que, caso a reforma tributária venha a ser aprovada nesses moldes, haverá um aumento de carga tributária para o setor devido à comparação com o modelo atualmente em vigor. No entanto, essa discussão deve levar em consideração que há muitos aspectos ainda a serem definidos via lei complementar, momento em que o setor poderá interferir para que as reduções de alíquota realmente se apliquem sobre uma gama considerável de produtos agrícolas e a não-cumulatividade seja aplicada de forma ampla, evitando os resíduos tributários.
No mais, a proposta prevê que (i) os Estados poderão criar contribuição sobre produtos primários e semielaborados, o que claramente representa um tributo novo aplicável ao agronegócio; e (ii) a União Federal poderá criar imposto seletivo sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Ambas as previsões constitucionais nos parecem “cartas em branco” a serem utilizadas pelo Governo sobre as mais distintas situações, podendo afetar negativamente o setor do agronegócio.
A reforma tributária tem seu mérito por proporcionar uma profunda alteração na estrutura do sistema tributário, tornando-o mais eficiente, com a redução do número de tributos, a tributação por “fora” e no destino, mas ainda assim deve olhar para os diversos setores e refletir sobre suas peculiaridades para que não os afete de modo a inviabilizar seus negócios. – Fernanda Pazello, sócia da área Tributária de TozziniFreire
- E quais são os impactos da Lei nº 14.421/2022, conhecida como Lei do Agro 2?
De um modo geral, a Lei do Agro 2 teve como principal objetivo o aperfeiçoamento dos dispositivos implementados pela Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020) para a facilitação da captação de recursos para o setor rural por meio do financiamento privado, garantindo uma maior segurança jurídica às operações.
Deve-se destacar o esforço da Lei do Agro 2 em estabelecer a visão do agronegócio como uma cadeia produtiva completa, garantindo uma maior flexibilidade na caracterização dos beneficiados pelo crédito rural, abrangendo, além do produtor rural, outros atores da cadeia que atuam na industrialização e comercialização de bens agropecuários.
Especificamente em relação à Cédula de Produto Rural (CPR), tivemos a ampliação do conceito de produto rural visando a captação de recursos para projetos de conservação e preservação ambiental, considerando que o título também servirá para o financiamento de atividades florestais, extrativismo vegetal, recuperação de áreas degradadas, de biomas nativos e prestação de serviços ambientais na propriedade rural (CPR Verde).
Para o produtor rural, a CPR Verde rentabiliza e incentiva as operações de natureza sustentável encabeçadas nas suas atividades. Para as empresas cuja natureza de suas atividades dificultem a neutralização da sua emissão de carbono, o investimento em CPR Verde não só possibilita a compensação ambiental da empresa, como melhora sua imagem perante o mercado como favorável a práticas sustentáveis. Outras alterações que merecem destaque foram a alteração do prazo para registro da CPR, que passou de 10 para 30 dias úteis, com a finalidade de tornar a CPR mais célere, barata e segura, bem como a possibilidade de a CPR financeira ser usada como instrumento para fixar limite de crédito e garantir dívida futura concedida através de outras CPRs.
Além disso, a Lei do Agro 2 sedimentou o entendimento de que o Patrimônio Rural de Afetação, instituído pela Lei do Agro como instrumento garantidor típico da CPR e da recém-inaugurada Cédula Imobiliária Rural (CIR), deve ser classificado como garantia real, criando-se, portanto, o vínculo real entre o patrimônio apartado e a satisfação da dívida que constitui o título, e submetendo-o, no que couber, às regras relativas à Alienação Fiduciária. Tais inovações garantem ao financiador uma maior segurança sobre a satisfação da dívida e, consequentemente, amplia e facilita a captação de recursos pelos agentes da cadeia do agronegócio.
Outro ponto digno de destaque é a previsão, pela Lei do Agro 2, de competência do Cartório de Registro de Imóveis para registro da alienação fiduciária em garantia de produtos agropecuários e de seus subprodutos em substituição ao anteriormente previsto registro no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do emitente.
Nota-se a intenção da lei de eleger a destinação do crédito como o critério definidor do regime jurídico da garantia, da mesma forma que se fez com outras modalidades como penhores rural, agrícola, mercantil e industrial, garantindo a elas a publicidade, eficaz e segura, que o sistema registral imobiliário dá às garantias reais. Assim, o modelo que vem sendo desenhado busca concentrar no Registro de Imóveis as garantias corriqueiramente utilizadas no financiamento das atividades inerentes ao agronegócio. – Alexei Bonamin, sócia de Mercado de Capitais de TozziniFreire Advogados
- Atualmente, quais são as principais oportunidades para o agro?
O Agro representa uma parcela importante das exportações brasileiras, e vende para mais de uma centena de países. O Brasil também importa commodities como trigo, fertilizantes e outros insumos agrícolas. O preço de produtos como café, soja e carne é regulado por preços internacionais. Trata-se, portanto, de um setor altamente integrado no comércio internacional.
Desse modo, uma primeira oportunidade para o Agro envolve o conhecimento do que acontece no resto do mundo, os movimentos geopolíticos, as negociações internacionais, acordos de livre comércio que resultam na abertura de mercados para produtos brasileiros, as novas regras e padrões internacionais aos quais será preciso se conformar para obter tais benefícios. Uma assessoria jurídica adequada nesse sentido permite que o produtor brasileiro obtenha o máximo de benefícios que o cenário global proporciona, e seja mais competitivo em terceiros mercados.
Uma segunda vertente de oportunidades proporcionadas pelas regras de comércio internacional diz respeito ao uso dos instrumentos disponíveis para proteger-se contra importações, ou para maximizar alguma vantagem. Tais mecanismos incluem alterações tarifárias de produtos agrícolas ou de insumos, de modo definitivo ou temporário, ou o uso de instrumentos de defesa comercial como direitos antidumping e salvaguardas. – Vera Kanas, sócia da área de Comércio Internacional de TozziniFreire Advogados
As mudanças trazidas pela Lei do Agro possuem um grande potencial para atrair maior investimento privado ao agronegócio no Brasil. Não diferente, considerando o ciclo econômico atual com cenários de juros e inflação altos, os investimentos nesse setor são bastante atrativos considerando as diversas modernizações legislativas e a pulverização de produtos incentivados no mercado.
De acordo com dados do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais do IBGE, o setor agropecuário cresceu 18,8% no primeiro trimestre deste ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) atualmente prevê para 13,2% a estimativa de crescimento para o setor agropecuário em 2023.
Isso demonstra a importância de fontes seguras de captação para o fomento do agro no Brasil. A exemplo de produtos, todo o setor tem sido beneficiado com a popularidade dos fundos de investimento nas cadeias agroindustriais (Fiagro) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). É notória a facilidade e segurança desses instrumentos tanto para o produtor quanto para o investidor, considerando os prazos longos para pagamentos (e taxas de juros atrativas) e os incentivos fiscais a esses veículos (como a isenção de imposto de renda na distribuição de rendimentos). No final do dia, todo o mercado lucra considerando o aumento da demanda desse setor a nível global.
No mesmo sentido, a implementação da Cédula Imobiliária Rural (CIR), por exemplo, busca solucionar dois grandes obstáculos ao crédito rural identificados na prática: (i) o travamento de garantias, tendo em vista a necessidade até então imposta ao produtor rural de dar a totalidade do seu imóvel como garantia a operações que, muitas vezes, tinham valor substancialmente inferior ao da garantia concedida; e (ii) a possibilidade de financiamento rural realizado por pessoas naturais ou jurídicas não financeiras.
O Patrimônio Rural de Afetação, como mecanismo de segregação de patrimônio para constituição de garantia à CIR, possibilita que seja dada uma fração do imóvel em garantia, que pode ser variável e proporcional ao valor do crédito, sem a necessidade de prévio desmembramento do imóvel rural.
Além disso, a Lei do Agro possibilitou a constituição de garantias reais (por exemplo, a alienação fiduciária) em favor de credores estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros, incluindo a possibilidade de consolidação da propriedade do imóvel rural.
Já em relação às oportunidades para desenvolvimento de novos empreendimentos agropecuários, o atual ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro afirmou que o Plano Safra 2023/24 deverá contar com o reforço de um programa mais robusto para estimular a conversão de cerca de 40 milhões de hectares de pastagens degradadas identificadas no território brasileiro em lavouras. Para isso, o ministro acredita na oferta de crédito agrícola com taxas adequadas e aponta que outra prioridade do governo será o apoio à expansão do seguro agrícola. Além disso, o governo brasileiro estabeleceu como contribuição nacionalmente determinada, no âmbito do Acordo de Paris, a recuperação de 15 Mha de pastagens degradadas no país.
Por fim, diante do recente movimento regulatório para a implementação de um Mercado Regulado de Carbono no Brasil, deve-se apontar o crescimento de oportunidades relativas à exploração desse mercado que podem ser aproveitadas pelo setor agropecuário.
O setor agrícola representa cerca de 14% das emissões antrópicas de gases do efeito estufa no mundo, que podem ser reduzidas a partir da implementação de novas práticas e tecnologias, como o aproveitamento de matéria orgânica na produção de fertilizantes ou até na produção de combustíveis para equipamentos e o desenvolvimento de práticas de redução de desmatamento e reflorestamento. A implementação de tais práticas e tecnologias pode viabilizar o desenvolvimento de projetos que geram créditos de carbono que beneficiem o setor agropecuário brasileiro. – Vera Kanas, sócia da área de Comércio Internacional de TozziniFreire Advogados.