O desprezo às mulheres políticas

Por séculos, as mulheres foram alijadas da vida pública, em especial, da participação na política. E a ausência da presença feminina nestes espaços de poder impacta o cenário político ainda na atualidade.

No Brasil a primeira lei que autorizou o voto feminino foi a Lei Estadual n. 660/1927, no Rio Grande do Norte. Em âmbito nacional o direito ao voto feminino foi concedido em 1932, com a promulgação do Código Eleitoral. O direito ao voto feminino foi garantido constitucionalmente em 1934, mas a obrigatoriedade só veio em 1965, período em que o arcabouço jurídico ainda considerava as mulheres relativamente incapazes até 1962.

Neste contexto de exclusão e entrada tardia das mulheres na esfera política, há apenas 90 anos, o gênero feminino ainda é exceção no debate público eleitoral.

O cenário global aponta para 25,5% de participação feminina nos Parlamentos, mesmo passados 26 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, cujos principais objetivos estavam voltados a promover a igualdade de gênero na política. No contexto latino-americano o Brasil ocupa o 9º lugar dentre os 11 países que efetivam os direitos políticos das mulheres.

Esse alijamento do gênero deu causa não apenas à ausência de discussão de pautas direcionadas à efetivação dos direitos das mulheres, mas de pautas comuns e essenciais às mulheres e aos homens, já que o fato de haver mulheres na política não implica apenas na luta por garantia de direitos da mulher, mas na construção de instrumentos válidos para a promoção da equidade, de justiça social e de uma Democracia mais sólida. Países liderados por mulheres, por exemplo, responderam melhor à pandemia, conforme pesquisa do Fórum Econômico Mundial. O estigma de que mulheres só fazem direito e política para mulheres é arcaico e discriminatório.

Mas o comprometimento do Estado Democrático não é a única consequência da exclusão de mulheres da política. De forma mais direta, essa falta de participação permitiu que a violência de gênero fosse naturalizada nos espaços de poder como forma de manter as mulheres nos locais socialmente designados a partir de uma perspectiva patriarcal: o doméstico.

A violência política de gênero inclui desde o escasso investimento na formação de base eleitoral para mulheres, que geralmente precisam lidar com múltiplas jornadas, reduzindo sua disponibilidade para criar bases e alianças políticas, assim como conquistar eleitores, em comparação aos homens; transita pela falta de investimento para as próprias campanhas quando candidatas, fato agravado pela prática nefasta de candidaturas laranjas e anistias recorrentes pelos partidos políticos; e chega às absurdas interferências no exercício do próprio mandato quando eleitas.

O ápice das formas de violências se materializa com as práticas tratadas pela legislação criminal. O artigo 326-B do Código Eleitoral criminaliza a violência política de gênero e dispõe serem atos de violência a ação ou omissão voltada a impedir ou dificultar a campanha eleitoral de candidata ou detentora de mandato por meio de assédio, constrangimento, perseguição, humilhação e ameaça. A lei foi promulgada em 2021 e de lá para cá, de acordo com pesquisa feita pelo Globo, 225 procedimentos já foram instaurados.

A violência contra a mulher é uma chaga e precisa ser extirpada também da esfera política, sob pena de comprometimento da Democracia já bastante maculada em razão do assassinato da Vereadora Marielle Franco, vítima do pior episódio de violência política de gênero.

Incluir mulheres na política é tarefa árdua, mas urgente. As alterações legislativas até o momento têm ajudado a aumentar a participação feminina. Contudo, a representatividade ainda é extremamente baixa. Nas últimas eleições municipais de 2024 apenas 17,92% foram eleitas, sendo que o gênero feminino soma 52,8% da população.

A cultura antipatriarcal, a aplicação de investimentos e a reserva de cadeiras para mulheres são medidas importantes ao avanço que se espera, mas para a consolidação de uma Democracia sólida e paritária, se faz necessário ainda que, enquanto sociedade, façamos uma repactuação de civilidade com vistas a garantir às mulheres que tentam ou que ingressam na vida pública o mesmo respeito, os mesmos espaços e os mesmos direitos conferidos aos homens, para que a política não siga a ser esse palco de desprezo às contribuições femininas e de descrença social, mas de construção efetiva, responsável e, diga-se de passagem, muito mais eficiente, afinal, apenas com a participação de mulheres é que esse ideário pode ser alcançado!


[1] Advogada criminal. Mestra em Direitos Humanos pela USP, Pós-graduada em Direito Penal Econômico pela FGV/SP, Especialista em Direitos Humanos das Mulheres e Raça pela USP, Cofundadora do Coletivo SER.A.CEO.

Priscila Pamela C. Santos

É advogada criminal. Mestra em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP; Pós-graduada em Direito Penal Econômico pela FGV-SP e em Direito Penal pela ESA; Especialista em Justiça, Gênero e Direitos Humanos das Mulheres pela Faculdade de Direito da USP, Vice-Presidente do IDDD. Consultora das Comissões de Direitos Humanos e de Política Criminal e Penitenciária, ambas da OAB-SP. Conselheira do Conselho Penitenciário de São Paulo.

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