Além Das Causas – O que temos de Cultura Organizacional nos Escritórios de Advocacia

Tem sido frequente a discussão acerca da cultura organizacional dos escritórios de advocacia, dada sua influência direta na dinâmica de funcionamento dos escritórios, bem como nas relações profissionais e pessoais.

Edgar Schein, autoridade quando se trata de Desenvolvimento Organizacional, foi assertivo ao dizer que “a cultura organizacional é um padrão de pressupostos básicos compartilhados que o grupo aprendeu à medida que resolveu seus problemas de adaptação externa e integração interna, e que funcionou bem o suficiente para ser considerado válido e, portanto, ensinado aos novos membros como maneira correta de perceber, pensar e sentir em relação aos problemas”.

A cultura organizacional influencia diretamente em todos os aspectos do ambiente de trabalho, sendo componente relevante no comportamento das estruturas, do clima, no alinhamento de objetivos, tornando-se diretamente responsável pela construção da identidade do negócio.

No passado, muitos escritórios de advocacia no Brasil eram negócios familiares, excessivamente voltados para as questões técnicas. Com o passar dos anos e o redesenho do mercado a realidade foi transformada demandando adaptações que acabaram por tornar os escritórios em empresas efetivas, exigindo dos seus sócios uma visão para além do conhecimento jurídico.

A advocacia é uma prestação de serviços e as mudanças contemporâneas impõem a necessidade de identificar e construir uma cultura organizacional, que será o fundamento para eficiência e perenidade do negócio.

Quando trazemos a cultura organizacional para o universo dos escritórios de advocacia acabamos por ter a certeza de que ela é determinante para o sucesso e a eficácia da prática jurídica, tendo em vista sua repercussão no atendimento ao cliente, gestão interna, desenvolvimento profissional dos colaboradores e advogados, a utilização dos recursos tecnológicos, além da convivência com a IA.

No BRASIL a cultura organizacional dos escritórios de advocacia tende a ser hierárquica e formal, refletindo a estrutura social e os costumes. A gestão dos escritórios, em sua maioria, está concentrada em sócios que detêm grande poder de decisão e há uma valorização significativa das relações pessoais e networking. Temos que os desafios iniciais da administração passam por lidar com questões como a alta carga tributária, a precificação dos serviços frente a um mercado saturado, a exigência por eficácia, burocracias e frequentes mudanças da legislação. Na sequência, vêm questões ligadas à efetiva qualidade da entrega, tecnologia, desenvolvimento da equipe técnica, a materialização de valores como dimensionamento das atividades, respeito de tempo, além da diversidade e inclusão que vêm ganhando espaço nos últimos anos e merecem maior atenção.

Nos ESTADOS UNIDOS a cultura organizacional varia significativamente entre grandes escritórios e firmas menores e/ou boutiques. Em geral, a abordagem é mais competitiva, com foco intenso em resultados e faturamentos, com metas bem definidas e planejamento estratégico elaborado e aplicado com rigor. A meritocracia é fortemente enfatizada e a rotina de longas horas de trabalho, com nível significativo de pressão é uma realidade. As dificuldades que emergem incluem a gestão do bem-estar da equipe e a retenção de talentos num mercado altamente competitivo. Por lá já se percebe um esforço crescente em promover ambientes mais equilibrados e inclusivos.

Na FRANÇA a cultura nos escritórios de advocacia acaba por ser influenciada por uma combinação de hierarquia, formalidade e colegialidade. Os escritórios mantêm respeito pela hierarquia tradicional, embora haja um movimento crescente em direção à inovação, com inclusão de tecnologia e alinhamento a práticas sustentáveis, em resposta a demandas sociais.

Por outro lado, na ALEMANHA a cultura organizacional é marcada pela eficiência, precisão e abordagem orientada por processos bem desenhados. Os escritórios de advocacia tendem a ser estruturados, têm foco na expertise técnica, com colaboração entre equipes, mas dentro de limites e atribuições definidos. Um desafio que se impõe é a integração de advogados estrangeiros e a promoção da diversidade dada a forte tradição jurídica local, não obstante ser a sociedade alemã pragmática.

Uma cultura organizacional bem estruturada será decisiva para a longevidade dos escritórios de advocacia, que precisam mudar suas lentes e encarar que a qualidade técnica não será seu maior diferencial competitivo, sendo imperiosa a atenção e o investimento nas seguintes áreas:   

  • gestão de pessoas, para alinhar conexão e coesão da equipe com os valores do escritório e desenvolvimento de lideranças; 
  • foco no cliente, para entender as necessidades do mercado e os movimentos que se avizinham; 
  • diversidade e inclusão, sobretudo para oportunizar um acesso igualitário às posições de liderança e comando;
  • ética e integridade, espelhando um padrão comportamental que garanta reputações sólidas e sem conflitos legais;
  • inovação, que deve ser contínua, de modo a adaptar-se às mudanças do mercado e buscar se fazer relevante; 
  • gestão financeira para manter-se saudável e ter flexibilidade em momentos menos favoráveis; 
  • sustentabilidade, com adoção de práticas coerentes com a exigência da sociedade e a conformidade regulatória.

Lado outro, sabe-se que há um consenso quando se fala no que deve ser evitado: 

  • Negligenciar pessoas
  • Ignorar mudanças de mercado
  • Subestimar a experiência do cliente
  • Não atentar à concorrência

No cenário atual, de rápida transformação e disrupção tecnológica, tem-se que uma cultura organizacional bem estruturada apresenta-se como diferencial competitivo vital. Escritórios de advocacia que promovem valores como colaboração, ética, inovação e desenvolvimento contínuo estão posicionados para enfrentar o mercado, pois conseguirão oferecer serviços jurídicos de melhor qualidade, reter talentos, desenvolver lideranças e assegurar políticas internas e práticas alinhadas com os valores defendidos.

É dentro desse ambiente que uma cultura inclusiva e diversa deverá emergir para atender novas perspectivas de clientes e da própria equipe interna.


Clissia Carvalho

É sócia fundadora e CEO do escritório Pena Carvalho Advogados, membro da Diretoria Jurídica da FIESP e cofundadora do coletivo Ser.A.Ceo.

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR DE: