A ebulição da nova ordem mundial e seus primeiros impactos nas organizações (oportunidades e “missões” para a advocacia corporativa)

Por mais que ainda seja muito cedo para sabermos a magnitude e a profundidade dos impactos (e a duração) da atual guerra tarifária internacional, iniciada recentemente pela “Administração Trump” nos Estados Unidos da América (EUA), e que as organizações (de forma geral) estejam acostumadas com mudanças de cenários e com a própria dinâmica corporativa (que sempre envolve riscos), países, blocos comerciais/econômicos e empresas já estão se movimentando – e já estamos vivendo uma “revisão” da globalização, de acordos comerciais e da própria “ordem mundial”.

Diversos países e blocos estão buscando formas de “renegociar” acordos comerciais, com os EUA e com “o mundo todo”; e não apenas pelo impacto direto e natural das tarifas, mas também por seus impactos e consequências de maneira ainda maior, como a revisão de modelos de negócios, ajustes nas cadeias produtivas/de suprimentos e de valor, parcerias comerciais, revisão das “vantagens competitivas” de cada país, e alianças de modo geral.

Nesse contexto, repleto de “choques” e de incertezas, é natural que “os mercados financeiros” estejam bastante “mexidos” e voláteis, e que o “dinheiro” esteja buscando seus possíveis “portos seguros”; que não serão tão simples de serem “acionados” neste momento, pois a “guerra tarifária” já está provocando (além das tentativas de negociação, e de possíveis recursos à fragilizada Organização Mundial do Comércio (OMC), diversas reações e “retaliações” (tarifárias, não tarifárias de modo geral, “ambientais” etc.), sem contar que mesmo nos EUA ainda não se sabe os reais efeitos que serão sofridos pela indústria local e pela população (que pode viver aumentos de preços, escassez de produtos e até mesmo recessão).

Organizações mais estruturadas e robustas costumam contar com equipes e sistemas de gestão de riscos, que tentam antecipar “movimentos e crises”, e (em especial desde a última pandemia) reduzir sua dependência de poucos fornecedores e mercados, mas mesmo “essas” precisarão lidar com a atual “crise global” e redirecionar muitos de seus projetos, programas e investimentos.

Um dos riscos desse cenário tão complexo é que algumas empresas caiam na armadilha de buscar o “corte de custos” imediato, sem analisar com o devido cuidado os efeitos, as consequências e os riscos que essa medida venha a provocar, como na governança corporativa, no “compliance” e na sustentabilidade.

Nosso foco e “provocação construtiva” com este breve artigo é justamente nesse último ponto, na tentativa de ajudar as empresas a se lembrarem dos motivos de terem percebido a importância de tais programas, estruturas e investimentos, que são de longo prazo, que integram o propósito, o modelo de negócio, a cultura, a estratégia, a imagem e a reputação corporativa.

No caso brasileiro, infelizmente já se observava (em especial nos últimos dois a três anos) um certo movimento chamado de “hora de verdade” nas empresas que “aqui operam”, seja por questões ideológicas, político-partidárias, ou por visões não efetivamente enraizadas e estratégicas desses temas, seja por iniciativas que já vinham atacando os investimentos e os compromissos com as melhores práticas, pelo aproveitamento do enfraquecimento do efetivo combate  corrupção, ou ainda pela constatação de que havia bastante “compliance washing” e “eesg washing” , dentre outras razões.

Em vista desse quadro, algumas empresas já vinham enfraquecendo seus departamentos jurídicos, e reduzindo ou até extinguindo setores e programas ligados a integridade, “compliance” de forma geral governança corporativa e sustentabilidade.

Quem “embarcou” nessas armadilhas (de redução/extinção), não apenas demonstrou que na verdade não havia efetivamente incorporado em suas organizações as chamadas melhores práticas, como em muitos casos não percebeu que muitos parceiros, investidores e clientes/consumidores perceberão que o “discurso” anterior não era real, abalando sua imagem/reputação, credibilidade e confiança.

Todos sabemos que o “mundo corporativo” busca valor de forma permanente, e que diariamente procura maneiras de reduzir custos, mas que (igualmente) é necessário que esses ajustes sejam bem estudados e estruturados, para que as “economias” de curto prazo não se tornem desastrosas a médio prazo.

Os programas e sistemas mencionados, no caso das organizações que realmente perceberam seu valor, não são considerados “meros custos” e nem “modismos”, mas são investimentos e maneiras de “focar” na melhoria de gestão, de serviços, de produtos e das próprias empresas, além de ajudarem a melhorar a imagem/reputação, e a conquistar mais e melhores parceiros, investidores e clientes.

O sucesso dessas melhores práticas leva à redução de custos e ao aumento de margens, de valor, de vendas e de aproveitamento de oportunidades, redução de volatilidade de colaboradores (“turnover”), investidores, parceiros e clientes, de “esqueletos e de contingências”, e de multas, além de (reiteramos), melhoria de imagem e de reputação.

Quem se vê valor na sustentabilidade corporativa plena (que envolve, dentre outros fatores, departamentos e programas jurídicos, “de compliance”, de gestão de riscos” e de E-ESG robustos e permanentes) está bastante preocupado com os possíveis efeitos e impactos da atual “guerra tarifária” nas organizações e nos mercados.

Cadeias de suprimentos e de valor bem construídas, e focadas em qualidade e em sustentabilidade, não são fáceis e nem simples de serem ajustadas, e decisões “apressadas” e até “desesperadas” podem levar algumas organizações a se “esquecerem” de avaliar o contexto e as efetivas opções seguras de ajustes com o devido cuidado e profundidade.

Departamentos e setores de compras e de suprimentos, especialmente nos segmentos mais afetados pela “volatilidade” atual, precisam ser bem orientados, para que não se deixem enganar por “soluções mágicas”, que podem abalar ou até destruir organizações.

A advocacia corporativa pode, e deve, atuar com a sua experiência, e com a necessária criatividade, nesse momento, ajudando as empresas a avaliar com atenção e cuidado os efeitos dos movimentos acima elencados, os riscos envolvidos (que nem sempre são considerados de forma adequada), e apoiar (quando a estrutura em cada organização permitir) a manutenção (e se possível o fortalecimento) dos programas de governança corporativa, “compliance” e sustentabilidade.

Precisamos todos lidar com esse novo “fenômeno”, e buscar alternativas que permitam às organizações atravessar essa “tempestade”, mas sem nos esquecermos de que essas “ondas” vem e vão, mas somente as empresas que de fato se movimentarem com estratégia tenderão a permanecer no mercado.

Será um trabalho árduo, duro, provavelmente longo, e necessariamente multidisciplinar, que envolverá “pelo menos” áreas (internas e externas) como estratégia, gestão de riscos, contratos, direito tributário, direito financeiro, comércio exterior/internacional, direito internacional, relações institucionais/governamentais, integridade/”compliance”, sustentabilidade, governança corporativa, e ajustes societários, concorrenciais e de mercado de capitais – dentre outras.

E será, também, um bom exemplo de “situação” em que a senioridade e a experiência “humanas” serão determinantes para boas análises e recomendações responsáveis, prudentes e criativas (com segurança), e que ainda que (naturalmente) contem com o apoio da tecnologia, da automação e da inteligência artificial, não sejam “terceirizadas” e nem tratadas de forma simples e corriqueiras, pois os efeitos da “guerra tarifária mundial’ ainda são imprevisíveis (até mesmo por não sabermos, ainda, como os blocos econômicos e os diversos países afetados vão se movimentar a médio prazo).

Temos todos que buscar alternativas para a redução de custos, e aproveitar oportunidades, mas sem nos esquecermos de muitas vezes o ‘barato sai caro” e que “as decisões de curto prazo impactam (positiva ou negativamente) as empresas a médio prazo”.

Esse será, certamente, um dos principais temas corporativos (ao menos) dos próximos meses, e temos que não apenas acompanhar como apoiar as empresas em tudo o que pudermos.

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR DE: