O uso da Inteligência Artificial (IA) tem sido muito debatido nos últimos anos e tem feito cada vez mais parte da nossa realidade. O reconhecimento facial, a resposta por chatbots para o consumidor, a indicação de séries da Netflix para o espectador, a resposta de uma pergunta pelo Google são exemplos de aplicações desta tecnologia.
Apesar das inúmeras vantagens como otimização de processos, redução de falhas e auxílio na tomada de decisões das empresas, a implementação da IA tem trazido preocupações éticas relacionadas ao limite de intervenção e manipulação dos dados coletados, bem como o aumento do desemprego, vez que muitos processos passaram a ser desempenhados sem a intervenção humana.
A Unesco[1] e a OCDE[2] estabeleceram princípios gerais que devem nortear o desenvolvimento da inteligência artificial, como o respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos, a privacidade, a transparência, a supervisão humana, a segurança digital, a responsabilidade, a igualdade e sustentabilidade.
No mesmo sentido, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente o Projeto de Lei 21/2020, criado pelo Deputado Eduardo Bismarck, que estabelece fundamentos e princípios para o desenvolvimento e aplicação da IA no Brasil, elencando diretrizes para o fomento a e atuação do poder público. A matéria ainda será enviada para o Senado, mas têm fomentado inúmeras discussões.
O objetivo do referido PL é estabelecer princípios, direitos e deveres para o uso da IA no Brasil. Ele prevê a figura dos Agentes de IA, que podem ser quem implanta um sistema de IA (agente de desenvolvimento) ou quem opera (agente de operação). Tais agentes possuem alguns deveres, como assegurar que os dados utilizados respeitam a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e responder legalmente por decisões tomadas por um sistema de inteligência artificial. Além dos deveres, possuem também direitos – assim como as pessoas que são afetadas pelos sistemas de inteligência artificial – “partes interessadas”, como o acesso à forma de uso, pelo sistema, de dados pessoais sensíveis e genéricos.
A proposta também menciona a elaboração de um relatório de impacto de IA pelos agentes, com a descrição da tecnologia, medidas de contenção e gerenciamento de riscos. O Poder Público poderá solicitar a publicação deste relatório, além de recomendar a adoção de melhorias da tecnologia.
O autor do projeto defende que outros projetos sobre o tema deverão ser aprovados no Brasil e que o PL apresentado pode ser considerado um ponto de partida para a discussão sobre o tema.
Considerando todos os pontos levantados e a rápida evolução da Inteligência Artificial no Brasil e no mundo, percebe-se que os princípios e bases são fundamentais para a regulamentação do tema. No entanto, muitos especialistas defendem que se não houver uma fiscalização por um órgão competente e nem a publicação de guias ou de métodos de aplicação prática de tais princípios, o PL 21/2020 corre o risco de tornar-se ineficaz.
Nadia Andreotti Tüchumantel Hackerott é consultora associada do HBC Advogados e possui extensa experiência na área de Propriedade Intelectual, como marcas, patentes, desenhos industriais, nomes de domínio, softwares, direitos autorais, concorrência desleal, segredos industriais, transferência de tecnologia, inovação, parcerias tecnológicas e assuntos relacionados ao Direito Digital e Proteção de Dados. Pós-graduada em Direito Contratual e em Direito Digital e Compliance. Fez cursos de extensão em Direito Digital Aplicado e Tributação dos Negócios de Tecnologia e Propriedade Intelectual e especialização em Propriedade Intelectual nos Estados Unidos e no Japão. Coordenadora e autora da obra “Aspectos Jurídicos do E-commerce”.
[1] https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373434
[2] https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/boletim/a_ocde_e_a_ia.pdf