A nova economia da advocacia. Cliente com tecnologia exige escritório com estratégia

Vivemos uma economia em que tecnologia virou ponto de partida e estratégia voltou a ser o único lugar onde ainda existe vantagem real

Tem um movimento acontecendo no Direito que muita gente sente, mas quase ninguém consegue colocar em palavras. E não é por falta de eventos, painéis e discussões sobre IA. Tudo isso tem seu valor. Mas a virada não está no palco. Ela está acontecendo dentro das empresas, nos jurídicos internos, no jeito como eles passaram a tomar decisão depois que a IA entrou de vez na rotina. É ali, no dia a dia, que o jogo está mudando sem fazer muito barulho.

A IA não deixou o cliente mais técnico. Deixou o cliente mais atento. E cliente atento muda tudo.

Quando a empresa tira do caminho tudo o que consumia tempo e não exigia raciocínio, ela não ganha só eficiência. Ganha tempo para enxergar o que, no ritmo normal, passa batido. E quando o cliente passa a olhar com mais calma, certas coisas ficam impossíveis de ignorar. Ele percebe quando existe intenção inteligente por trás da entrega. Quem tem direção e quem só repete o que sempre falou. Quem conversa com o negócio e quem fica preso ao enquadramento jurídico.

E isso ficou ainda mais óbvio agora que a IA generativa virou ferramenta de trabalho. Os textos parecem diferentes por fora, mas por dentro seguem a mesma estrutura. Aquele material que começa forte, mas perde profundidade no segundo terço. O cliente lê, reconhece o padrão e pensa que já viu aquilo antes. A repetição está escancarada.

E não é teoria. Eu já vi documento tecnicamente perfeito travar na conversa com a área financeira. Não porque estava errado juridicamente. Mas porque não fazia sentido para o negócio. Era uma tese brilhante, mas completamente desalinhada com a empresa. Isso acontece o tempo todo. E é justamente nessa fricção que percebemos como o mercado global lida com isso.

Em Cingapura e na Coreia do Sul, a integração entre jurídico, dados e estratégia já é um pré-requisito competitivo. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, muitos escritórios seguem essa mesma lógica. No Brasil, o movimento é o mesmo. Apenas segue o ritmo do nosso mercado, com nossas dores, nossa cultura e o jeito particular que temos de lidar com mudança.

Por muito tempo, complexidade foi vendida como sinônimo de profundidade. Hoje o cliente já entendeu que complicar é fácil. Difícil é entregar um raciocínio que funcione no mundo real. A estratégia de produzir volume para sinalizar esforço perdeu relevância. Volume virou sinal de falta de foco. E aquela autoridade técnica que já sustentou muita gente agora é só o mínimo esperado. O diferencial está em conectar técnica, contexto, incentivos internos, política, dados e impacto operacional.

E vale repetir. Nada disso é culpa da IA. A IA não tira espaço de ninguém. Ela só torna visível aquilo que sempre esteve frágil.

Dias atrás ouvi um diretor jurídico dizendo que não precisava de velocidade. Precisava de clareza. Essa frase não existiria alguns anos atrás. O cliente nem sempre tinha tempo para enxergar quem lia o contexto inteiro. Hoje tem. E isso virou critério de escolha. Virou critério porque o próprio cliente também usa IA e sabe exatamente o que a ferramenta entrega e até onde ela não chega.

E é aqui que a conversa muda. O desafio não é saber usar tecnologia. É ler o contexto. Ler pessoas. Ler os conflitos que nem sempre aparecem. Ler o que não está escrito no e-mail. A maior parte dos riscos jurídicos nasce antes do jurídico entrar na sala. Nasce em desalinhamentos internos. E, se o escritório não lê isso, acaba enxergando só metade do problema.

E dado algum salva pergunta mal feita… Isso vale para IA, para analytics ou qualquer novidade que aparecer nos próximos anos.

O cliente que tem tecnologia quer um escritório com estratégia. Ele não quer um parecer maior. Ele quer uma decisão que faça sentido no negócio e seja sustentada por dados. Ele não quer alguém que descreva o problema. Ele quer alguém que evite que o problema cresça. E isso não vem de ferramenta. Isso vem de repertório, vivência e maturidade profissional.

E aqui está um ponto que quase ninguém toca. A economia interna dos escritórios mudou. Quando o cliente muda o critério de valor, o escritório precisa mudar o critério de entrega. O modelo de horas não acompanha essa virada. E a cultura sente primeiro…

Os escritórios que vão prosperar agora são aqueles que entenderam que valor não está no esforço. Está na direção. Na capacidade de conectar técnica, contexto e impacto organizacional sem transformar tudo em “teatro” para impressionar. O cliente cansou de apresentação bonita e de promessas que não viram prática. E, quando o assunto é inovação, isso aparece rápido. Basta olhar para o tempo que leva para entregar um relatório de auditoria que deveria estar disponível em poucos cliques. Ele quer solução que funcione. Que faça sentido no orçamento, na operação, na relação com o regulador e nas áreas internas. Ele quer alguém que esteja um passo à frente, não alguém que só responda quando é chamado.

E essa virada expõe cultura. Escritórios dependentes de “heróis” começam a sofrer. Estruturas que vivem de improviso descobrem que improviso não escala. Equipes treinadas só para responder demanda percebem que isso não prepara ninguém para conversar sobre estratégia. E o cliente agora chega na reunião sabendo onde está o problema antes mesmo de acionar o escritório. Isso já derrubou escritórios nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. E vai derrubar aqui também.

A IA não destrói escritórios. Ela só evidencia o que já estava falho.

E tem mais. A IA trouxe para o centro algo que sempre foi ignorado. A governança intelectual. Sem curadoria, sem método e sem estruturação do conhecimento interno, a IA vira espelho. Ela devolve texto bonito, mas não devolve pensamento. Escritórios que não tratam informação como ativo usam IA para acelerar o vazio. E vazio acelerado continua vazio.

Isso virou tema global. Harvard, Stanford e o College of Law of England já discutem governança cognitiva como eixo central da competitividade na advocacia. Porque a IA expõe a diferença entre produzir e pensar. E essa diferença está decidindo quem cresce e quem desaparece do radar dos clientes.

Eu já vi escritório perder projeto enorme não porque errou juridicamente, mas porque ignorou completamente o impacto da solução em outra área da empresa. Um parecer perfeito no papel, mas desastroso na vida real. E quando o cliente vive isso uma vez, ele aprende. Ele reclassifica prioridades. Ele ajusta seu painel. Ele separa quem interpreta a legislação de quem interpreta negócio.

Depois que o cliente enxerga isso, ele não volta atrás. Ele não aceita complexidade como desculpa. Não aceita relatório como substituto de estratégia. Não aceita falta de tempo como justificativa para falta de visão. Ele vive a mesma pressão dentro da empresa. Ele também tem IA acelerando o operacional. Ele também está conseguindo pensar mais. E quando pensa mais, cobra mais de quem está do lado de fora.

A tecnologia não criou um novo Direito. Ela só tirou o excesso. Tirou tudo que mascarava a falta de método. Nivelou o operacional. E evidenciou quem sabe conectar técnica com contexto. E isso agora fica explícito, sem filtro e sem espaço para superficialidade.

E tem outro ponto. A IA generativa virou quase um piloto automático do raciocínio. Tudo parece profundo até alguém perguntar o porquê. Estudos de Stanford e do MIT mostram que profissionais que usam IA sem reflexão crítica desenvolvem uma “ilusão de competência”. Sentem que estão produzindo mais. Mas produzir mais nunca significou pensar melhor. E o cliente que também usa IA percebe isso com facilidade.

Estratégia nunca foi sobre o prever o futuro. Estratégia sempre foi organizar inteligência para responder ao que vier. A IA acelera tudo. Acelera o que funciona e acelera o que está mal resolvido. Quem pensa bem se fortalece. Quem pensa mal só chega mais rápido ao lugar errado.

A nova economia da advocacia não pede mais. Pede melhor. Melhor leitura. Melhor contexto. Menos apego ao passado. Mais coragem para rever práticas. Mais maturidade para conversar com o cliente como parceiro. Mais visão para enxergar o que o cliente já está enxergando.

No fim, essa transformação nunca foi sobre tecnologia. Sempre foi sobre leitura. Leitura de cliente. Leitura de negócio. Leitura de momento. Leitura de risco interno. Leitura de tudo aquilo que não está escrito no e-mail. A tecnologia acelera. O cliente sobe o nível. O mercado muda. E pensar bem ainda é o que separa quem toma a decisão de quem só devolve aquilo que colocaram na mesa.

A IA coloca todo mundo diante da mesma escolha. Repetir mais rápido. Ou pensar melhor. Um caminho leva à irrelevância. O outro leva ao futuro da advocacia.

E esse futuro está chamando quem não tem medo de enxergar as coisas como elas realmente são.

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