Como um dos institutos mais interdisciplinares do Direito, apresenta-se o contrato, em sentido amplo, como fonte de obrigação, independentemente de a teoria clássica ter sido concebida pelo Direito Civil.
Partindo do conceito sucinto de Beviláqua¹, contrato é “acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”.
Seja o ajuste bilateral ou plurilateral, é imperioso seu cumprimento pelas partes aderentes às cláusulas nele estipuladas, sujeitando-as à responsabilização em caso de inadimplência.
Ocorre que, diante das inovações tecnológicas, do desenvolvimento das relações jurídicas nos ambientes digitais, virtualizando-as e da velocidade de seus efeitos, o sistema jurídico como um todo está sendo permanentemente desafiado, já que suas soluções foram concebidas para ambientes puramente físicos.
O momento atual da sociedade movida a dados e as novas tecnologias proporcionam variadas possibilidades no âmbito contratual.
Como compatibilizar esse panorama com celeridade, segurança jurídica e confiabilidade diante da IoT (Internet das Coisas) que evoluiu para a IoE (Internet de tudo), Big Data, blockchain, contratos inteligentes ou smart contracts, são questões a serem enfrentadas.
Mediante a promessa de solução de inserções, armazenamentos e transmissão online de forma totalmente segura, a tecnologia blockchain, ainda assim, traz consigo novos desafios jurídicos.
Na mesma linha, também desafiadores se revelam os contratos inteligentes que, para terem validade jurídica, devem estar em conformidade com todas as formalidades previstas para os contratos chamados de “tradicionais”.
Dada a aceleração da evolução, a regulamentação mostra-se como questão central, muito bem abordada por Yuval Noah Harari em sua obra – 21 lições para o século 21 – que recomenda preparo para não correr o risco de presenciar uma mudança destrutiva.
Assim, se por um lado, as novas ferramentas tecnológicas apresentam um universo de novas oportunidades; por outro, o sistema jurídico deve estar apto a coibir e responsabilizar.
Atento, grupo seleto de especialistas debruçado sobre as necessidades de aperfeiçoamento normativo sugere alterações para ajustar a legislação brasileira às novas realidades contratuais e, acertadamente, incluiu, no anteprojeto de revisão do Código Civil, um livro especialmente dedicado ao Direito Civil Digital.
Dentre seus inúmeros capítulos afetos, destaque, para o que ora interessa, ao Capítulo VIII intitulado “Da celebração de contratos por meios digitais” que apresenta normas voltadas à regulamentação e validação de novos modelos de contratação formalizados em ambientes digitais, no intuito de equiparar a segurança jurídica e validade legal aos contratos tradicionalmente celebrados por instrumentos públicos e particulares, desde que respeitados os princípios regentes, como a autonomia da vontade e a boa-fé objetiva.
A diferença reside em pactuar-se a conjugação das vontades em ambiente digital, destacando-se o princípio da imaterialidade na formação, aperfeiçoamento e armazenamentos em meios eletrônicos.
Adicionalmente, é enfatizada a utilização de tecnologias de autenticação e certificação digital, imprescindíveis para garantir a inviolabilidade dos dados e a proteção das operações, assegurando que as transações, resguardando a segurança jurídica, sejam ágeis e eficazes.
Como os contratos inteligentes (smart contracts) são uma inovação na seara contratual, utilizados principalmente por corretoras de criptomoedas, estão intimamente ligados à tecnologia blockchain.
Ao incluir um contrato inteligente em um blockchain, suas disposições são transformadas em código de programação, o contrato se transforma em um conjunto de instruções digitais que são executadas automaticamente quando as condições estipuladas no contrato são atendidas.
No entanto, apesar do grande apelo pela automatização, a complexidade técnica dos contratos inteligentes traz desafios consideráveis, o que pode explicar a inclusão de sua definição e o elenco, pelo anteprojeto de revisão do Código Civil, de uma série de requisitos a serem cumpridos, como, por exemplo, robustez e controle de acesso, término seguro e interrupção, consistência e auditabilidade.
Mas, ainda assim, não se traduzem em regras claras sobre a natureza e o funcionamento dos contratos inteligentes, até porque, ao contrário dos contratos convencionais, se baseiam na conversão de suas cláusulas em código, o que dificultaria eventuais alterações contratuais, seja por acordo ou através do Poder Judiciário.
Não obstante, o anteprojeto tenha dado os primeiros passos e representa enorme progresso, denotando esforço conjunto para adequação da legislação aos avanços tecnológicos, é preciso ainda mais, se for aprovado da forma como está. É preciso um quadro legal mais detalhado, notadamente quanto aos smart contracts, dada as suas características autoexecutórias, de imutabilidade (dificultando ou até mesmo inviabilizando revisões contratuais inesperadas) e sua imprescindível integração com a tecnologia blockchain.
Nesta seara, o que foi apresentado ainda se mostra aquém dos anseios esperados e das necessidades práticas que envolvem os contratos inteligentes e suas múltiplas nuances, sobretudo mediante regulamentação específica que promova a compreensão e a segurança jurídica dos envolvidos.
1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 3: Direito Civil Brasileiro. ISBN 978-85-02-18843-3.