Entre a Constituição de 1988 e o Mundo Algorítmico: A Nova Era da Proteção Infantojuvenil

Merecedora de elogio, nossa Constituição Federal já vislumbrou, em 1988, a necessidade de dedicar um Capítulo, o Capítulo VII – “DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DO IDOSO”, ao Título VIII – “DA ORDEM SOCIAL” como proteção expressa às crianças e aos adolescentes.

Reforçou, no artigo 227, como dever da família, assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, determinando à lei a missão de prever punições severas para o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

No âmbito infraconstitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei n. 8.069, de 1990, representou um marco revolucionário para o Brasil, pela preocupação em consolidar a proteção integral, efetiva e prioridade absoluta na formulação das políticas públicas.

Nascia, naquele momento, um novo marco civilizatório: o dever compartilhado entre família, sociedade e Estado de assegurar às crianças e aos adolescentes, condições plenas para seu desenvolvimento físico, mental, moral e social.

A missão original e principal do ECA, como resposta esperada para as vulnerabilidades manifestadas em um mundo essencialmente analógico, consistiu no enfrentamento de problemas concretos de seu tempo: violência doméstica, negligência estatal, abandono e carência de políticas públicas estruturadas.  

Em 2010, a Emenda Constitucional n. 65 alterou o Capítulo VII para incluir, expressamente, em seu título e nas previsões subsequentes que a proteção seria estendida também ao jovem: “DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE, DO JOVEM E DO IDOSO”.

Outras leis esparsas, de semelhante importância, seguiram nesse mesmo sentido: a Lei n. 13.257, de 8 de março de 2016 – dispondo sobre políticas públicas para a primeira infância, a Lei n. 13.431, de 4 de abril de 2017 – estabelecendo o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência  e a Lei n. 14.811, de 12 de janeiro de 2024 – instituindo medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares e prevendo a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente.

Quase três décadas depois, a ampliação da proteção mostrou-se imprescindível.

Os ambientes digitais assumiram protagonismo na convivência e no desenvolvimento das novas gerações.

Os riscos inéditos e atrelados às redes sociais, plataformas de vídeo, jogos online, aplicativos e mecanismos algorítmicos tornaram-se o cerne da preocupação atual como: a exposição a conteúdos inadequados, assédio virtual, exploração sexual, coleta massiva de dados pessoais e publicidade predatória mediante estímulo para o consumo compulsivo e desenfreado.

A legislação brasileira buscou respostas pontuais a esses desafios e grandes avanços ocorreram, como por meio do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

No entanto, houve a necessidade de ir além.

Dada a prioridade, a sociedade ansiava por proteção voltada especificamente à proteção da infância e juventude nesse novo ambiente.

Publicado em 2025, o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente — o chamado ECA Digital – Lei n. 15.211, de 17 de setembro de 2025, estendeu a proteção integral do ECA de 1990.

Essa recente legislação não substitui o paradigma anterior, mas o expande. O princípio da proteção integral, pedra angular do ECA de 1990, é reinterpretado à luz da vida conectada.

Avanço significativo, o ECA Digital estabelece obrigações para plataformas, aplicativos e redes sociais desde a concepção, parâmetros rígidos de segurança, privacidade e bem-estar digital ao público infantojuvenil.

Ao impor configurações protetivas por padrão, mecanismos eficazes de verificação de idade, controle parental acessível e regras que coíbem design manipulativo, publicidade abusiva e monetização predatória é um divisor de águas nos modelos de monetização das empresas de tecnologia.

Ao fazê-lo, o Direito reconhece a necessidade de reforçar a proteção à privacidade, proteção de dados e classificação etária.

Se, por um lado, o ECA tradicional assegura a integridade física, emocional e social das crianças e adolescentes; por outro, o ECA Digital amplia essa mesma lógica de proteção integral para o universo das interações mediadas pela tecnologia. Ambos se completam e formam um sistema jurídico uno, coerente e protetivo.

O ECA Digital veio não apenas como atualização normativa, mas como reafirmação da necessária proteção integral, agora salvaguardando contra riscos algorítmicos, exposição de dados, manipulação comportamental e pressões do ambiente digital globalizado.

O desafio contemporâneo é exigir um compromisso ainda maior das empresas com a transparência, ética e responsabilidade no tratamento dos dados, sob pena de sanções severas; dos pais e responsáveis, pelo acompanhamento do consumo digital e para nós, especialistas, o dever de orientar adequadamente diante desse novo cenário.

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