Neurodireitos no contexto brasileiro: desafios éticos, sociais e jurídicos

O presente artigo almeja abordar as preocupações oriundas dos riscos éticos, sociais e jurídicos advindos do uso das chamadas neurotecnologias – embora os benefícios sejam indiscutíveis – fomentando debates multidisciplinares sobre governança.

Partindo do fato de que as neurotecnologias capturam, interpretam, e, inclusive, alteram os estados mentais, monitorando e decodificando pensamentos, a primeira preocupação que emerge é até que ponto comprometem direitos fundamentais, como privacidade mental e liberdade cognitiva, considerando a possibilidade de influenciar em escolhas.

Sob outro viés, segregações sociais podem ser aprofundadas pelo uso das neurotecnologias pelo fato de a questão passar pelo acesso econômico a essas inovações por determinados grupos.

O mercado de trabalho também é fonte de preocupação dadas as possibilidades de as neurotecnologias poderem modificar conceitos de produtividade através de monitoramento de níveis de foco e estresse dos colaboradores.

Técnicas educacionais tradicionais também podem restar comprometidas pois, ao poderem as neurotecnologias serem utilizadas para acelerar a velocidade da aprendizagem, através de avaliação de métricas neurais, a autonomia individual do estudante é afetada.

Para responder à necessidade de proteção à mente humana, contextualiza-se os neurodireitos.

Preceitos legais e modelos jurídicos devem garantir que o progresso científico da neurociência respeite os direitos e a dignidade das pessoas. 

Países como Chile e Espanha já estão avançando na legislação sobre essa nova dimensão de direitos.

No Brasil, a preocupação pela necessidade de regulamentação já vem adquirindo novo contorno, pelo fato de não existir ainda um arcabouço legal para o uso das neurotecnologias, embora a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tenha representado grande avanço na proteção de direitos pessoais.

O conceito de neurodireitos foi amplamente discutido pela Columbia NeuroRights Initiative, dirigida pelo neurocientista de Yale Rafael Yuste, que demonstrou a necessidade de se conceber uma lei de proteção dos neurodireitos face aos impactos indevidos que o crescimento das neurotecnologias possam gerar. 

Os cinco principais neurodireitos podem assim ser elencados:

  1. Direito à identidade Pessoal: protege a dignidade e personalidade.
  2. Direito à liberdade de decisão: garante uma tomada de decisão livre de quaisquer influências indevidas dos sistemas neurotecnológicos.
  3. Direito à privacidade mental: garante proteção às informações advindas do cérebro humano contra o acesso não autorizado a dados neurais.
  4. Direito ao acesso justo: garante equidade de acesso às inovações neurocientíficas, no intuito de evitar desigualdades tecnológicas.
  5. Direito à Proteção contra viés algorítmico: garantias contra o uso de neurodados com bases discriminatórias, limitando algoritmos e sistemas neurotecnológicos a finalidades clínicas com base científica e à imparcialidade.

É crescente o debate e discussões acadêmicas sobre a necessidade de uma proposta de emenda constitucional para inclusão dos neurodireitos de privacidade mental e liberdade cognitiva no rol dos direitos fundamentais na Constituição Federal.

A ausência de regulamentação e precedentes jurídicos sobre neurodireitos torna difícil a construção de um arcabouço protetivo eficiente. Os desafios mais relevantes incluem:

  1. necessidade de um marco legal internacional unificado;
  2. reconhecimento de neurodados como categoria sensível de informação;
  3. consentimento informado sobre neurotecnologias;
  4. responsabilização em caso de manipulação mental ou intervenção em processos cognitivos.

A influência de modelos internacionais bem-sucedidos pode contribuir para o avanço da proteção dos neurodireitos no Brasil, como inseri-los na Constituição, como fez o Chile, reconhecê-los como dados pessoais sensíveis na LGPD, a exemplo da GDPR do modelo europeu e/ou determinando regras claras para os setores privados e público, a exemplo dos Estados Unidos.

O fato é que com o avanço desenfreado das interfaces cérebro-máquina, definir responsabilidades civis e penais para casos de danos decorrentes do uso inadequado de neurotecnologias é prioridade máxima.

A bioética desempenha um papel importante na elaboração de diretrizes para a adoção ética das neurotecnologias.

É possível citar alguns dos princípios bioéticos mais relevantes em neurodireitos.

O primeiro é o princípio da beneficência que significa que o bem-estar das pessoas deve ser prioridade, sem riscos à sua integridade mental. Essa é a premissa para o desenvolvimento das neurotecnologias.

O outro lado da moeda, está o princípio da não maleficência, ou seja, qualquer experiência que envolva o cérebro humano deve pautar-se por políticas de segurança mínima. A cognição humana deve ser preservada.

Nenhum grupo social pode ser beneficiado exclusivamente com a eficácia dos avanços das neurotecnologias, que deve ser administrado de forma justa (princípio da justiça).

Por fim, a capacidade de escolha deve ser mantida. Pelo princípio da autonomia, a neurotecnologia deve ser utilizada a partir de consentimento livre.

Por tudo o quanto exposto, é fato que o avanço desenfreado de neurotecnologias em monitorar, interpretar e modificar processos neurais traz consigo preocupações significativas em termos de proteção de direitos fundamentais, como privacidade mental, autonomia cognitiva, integridade psicológica e equidade de acesso.

Dentre essas preocupações, a exploração indevida de neurodados e manipulação cognitiva sem consentimento estão entre os abusos que poderão advir da ausência de regulamentação específica nessa seara.

Exemplos como o Chile e União Europeia, que já avançaram na questão sobre os neurodireitos, poderão servir de referência para o Brasil suprir a lacuna legislativa, demandando, internamente, um esforço conjunto entre as áreas jurídicas, políticas e científicas motivadas a garantir a proteção eficaz necessária.

O caminho será a governança responsável dessas inovações tecnológicas, avançando rapidamente o país na regulamentação da matéria a fim de evitar o colapso.

Os benefícios das inovações tecnológicas não poderão comprometer a dignidade humana e é justamente neste ponto que reside o maior desafio: encontrar o equilíbrio entre inovação e proteção aos direitos fundamentais, a fim de preservá-los de forma ética e segura frente aos avanços científicos.

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