O atual momento dos departamentos jurídicos nas organizações: reposicionamento estratégico ou perda de espaço?

O dinamismo do mundo corporativo não surpreende quem o acompanha mais de perto (e há bastante tempo), mas alguns movimentos chamam a atenção e precisam levar as organizações, e seus executivos, a algumas reflexões.

Vivemos uma fase especialmente desafiadora para a maioria dos segmentos e dos negócios, notadamente no Brasil, por questões locais, internacionais/geopolíticos, e até mesmo em decorrência de fenômenos como as mudanças climáticas e a pandemia de 2019. E as estratégicas das organizações para equacionar os obstáculos e gargalos são, por vezes, inovadoras.

Dentre as principais e mais “tradicionais” medidas costumam estar a redução de custos, o corte de equipes, a interrupção de projetos, e as “famosas” reestruturações (que costumam prometer o aproveitamento de sinergias”.

Especialmente desde a última pandemia, iniciada em 2019, muitas empresas têm passado por grandes desafios, e a busca pela redução de custos é tão comum quanto perigosa, pois além de não ser uma efetiva solução a médio e a longo prazo (se questões estruturais do negócio e do mercado não forem resolvidas) se realizada com pressa e sem os devidos cuidados, pode gerar riscos nem sempre bem avaliados.

E, nesse contexto, chamamos a atenção da comunidade leitora para o que tem ocorrido com os departamentos jurídicos, que enfrentam uma perigosa situação e muito nos preocupa.

O movimento de “reorganização/reestruturação” que tem se tornado uma tendência, indica um reposicionamento que alguns acreditam ser uma medida estratégica, mas tantos outros percebem uma clara perda de espaço, posição, autonomia, orçamento e voz.

Para abordar com mais profundidade o tema, torna-se necessário recordar algumas questões que têm sido muito discutidas atualmente, em função da grande relevância do tema; qual seja o papel do departamento jurídico.

Pelo que se acompanha, em diversas empresas, os programas de redução de custos não estão considerando o efetivo risco gerado com as pretendidas economias, e parecem se esquecer da complexidade de se gerir a insegurança jurídica, o ativismo judiciário, a enormidade de leis e de órgãos públicos etc.

Surpreende, também, que em muitos casos se esteja retomando questões há muito superadas, como por exemplo as razões de se precisar organizar no Brasil departamentos jurídicos mais robustos, maiores, mais especializados, com mais pessoas e com orçamentos maiores do que se verifica em outros países.

Esquecem-se, os que tentam fazer tais comparações, das dimensões do nosso País e de suas questões estruturais e culturais, da existência de legislação trabalhista, previdenciária e tributária sem igual, com complexidades extremas, do contencioso de massa, da quantidade de órgãos públicos/governamentais (bem como de comarcas), de nossa legislação ambiental e de apoio ao consumidor, dentre tantas outras questões.

Em função desse “esquecimento” da complexidade jurídica brasileira, precisamos recordar desafios vividos ao longo das últimas 3 décadas do século passado, quando alguns ainda se perguntavam se seria necessário haver departamentos jurídicos, com atuação estratégica e competência executiva nas empresas.

Gerações de executivos e de advogados corporativos trabalharam muito, com dados e muita técnica para explicar que as peculiaridades brasileiras precisavam ser muito bem entendidas e geridas para que se conseguisse negócios efetivamente vencedores.

Vencida a antiga polêmica sobre a necessidade, o papel, e o lugar do departamento jurídico nas organizações, que felizmente conquistou relevância e posição estratégica na virada do milênio (quando a maior parte das empresas “percebeu” que operar no Brasil é tão complexo e desafiador, que contar com um apoio jurídico estratégico e especializado é fundamental), estamos novamente vivenciando questionamentos que geram grande preocupação.

No início dos anos 2000, grande parte das empresas reposicionou seus departamentos jurídicos, alocando-os de forma estratégica na alta gestão, via de regra com reporte direto à presidência ou ao Conselho, e investiu em gestores e equipes adequados ao desafio que lhes era confiado.

Avançamos muito desde então, em formação e especialização de advogados efetivamente corporativos, identificação de perfis adequados aos cargos de liderança, criação de sistemas/softwares, entendimento das rotinas estratégicas da área, construção de indicadores de desempenho, aproveitamento de oportunidades e gesto de riscos etc.

No mesmo período, temas e áreas igualmente importantes também conquistaram seu espaço e relevância, como “compliance”, governança corporativa, “sustentabilidade”, relações institucionais/governamentais, e comunicação, juntando-se às mais tradicionais diretorias, como financeiro, produção, recursos humanos, comercial/marketing e a própria área jurídica.

Estratégica e estruturalmente, esse conceito mais robusto e organizado de gestão, com uma “primeira linha” de executivos experientes e bem formados, capazes de efetivamente construir bons resultados foi bastante utilizado no Brasil; e via de regra com bastante sucesso.

Dentre os efeitos da acima citada pandemia, de conflitos regionais, de gargalos na produção e na logística de insumos, além de questões financeiras, geopolíticas, e mais recentemente tarifárias, e, ainda, no caso brasileiro, de questões de absoluto desequilíbrio fiscal e aperto ao setor produtivo, as empresas (que vem sofrendo muito com apertos financeiros) tiveram que se adaptar e organizar. E em especial áreas como juridico, compliance, sustentabilidade, governança corporativa, comunicação, e relações institucionais e governamentais tem sido extremante afetadas.

Esperava-se, nesse contexto, que as organizações buscassem organizar suas operações com vistas a melhorias estratégicas e aumento de qualidade, mas nessas áreas acima mencionadas nem sempre é o que se observa.

O que nos preocupa nesse cenário é que não se percebe movimentos e reestruturação que efetivamente visem essa melhoria, mas somente a redução de custos, por vezes de forma apressada e sem a adequada gestão de riscos, como já mencionamos.

São múltiplos os exemplos em que as áreas jurídicas, que em geral já vinham sendo pressionadas por cortar recursos, integrantes e orçamentos há alguns anos, agora estejam sofrendo (além disso) perda de autonomia e até de posição estratégica, perdendo ainda mais estrutura, e em muitos casos “assumindo”, adicionalmente, várias das funções acima mencionadas.

Não nos parece difícil de entender que áreas e equipes estratégicas, que já estavam sofrendo com restrições de “todo tipo”, e com falta de recursos, de estrutura e de pessoas, estejam agora enfrentando tempos ainda mais difíceis e desafiadores ao ‘herdar’ diversos outros temas que por sua vez também são complexos e estratégicos.

Logicamente, se a união de áreas e departamentos, efetivamente decorre-se de construção de maior qualidade, eficiência e busca de maior papel estratégico, com vistas a ajudar ainda mais as empresas a conseguir atuar com mais segurança, reduzindo riscos que se consiga evitar e precificar, todos aplaudiriam. Quando, porém, o que se vê é a união apressada de áreas, apenas do ponto de vista de aumento de atribuições e funções, sem que se unam também os recursos e as estruturas, o tema é claramente preocupante.

Parecem esquecer-se, os que defendem esses cortes “além do razoável” (e que abrem espaço ao aumento dos riscos e das contingências), que lideres experientes e bem-preparados dos departamentos jurídicos, bem sabem que precisam gerir suas áreas, equipes e orçamentos com responsabilidade e parcimônia – e que sempre buscaram e buscam as possíveis reduções de custos e economias (com cuidado). E que, ir além do razoável, é perigoso.

Percebe-se, nesse mesmo movimento que muitos dos líderes dessas áreas, por vezes extremamente bem preparados, formados, competentes, eficientes e experientes, tem sido sumariamente “desligados”, e substituídos por colegas sem a mesma experiência e vivência, que, por sua vez,  já nem mesmo se reportam à alta gestão, já nem tem orçamentos adequados, tem equipes cada vez mais reduzidas e iniciantes nas funções, não tem autonomia para tomar decisões e fazer escolhas (até mesmo de apoio externo); e são cada vez menos ouvidos pela organização.

Essa situação muito nos preocupa, e deveria preocupar executivos e organizações, pois se percebe que “como movimento e tendência”, não se busca a melhoria e a segurança da organização, mas apenas a economia, apenas a redução de custos, “esquecendo-se” de que a complexidade envolvida nem sempre permite cortes abruptos sem o devido cuidado; sob pena de se gerar riscos, contingências e problemas de grande magnitude a curto prazo.

Reflitamos, todos, sobre esse tema, e busquemos conversar com a alta gestão, os investidores, e os conselhos nas organizações, lembrando-os dos fundamentos e dos reais motivos de termos trabalhado tanto pela conquista do espaço e do papel do departamento juridico no Brasil, com vistas a ajudar as empresas a serem melhores e mais preparadas para lidar com riscos do empreendedorismo no nosso País.

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