O CNJ NA DEFESA DA DIVERSIDADE

Em meados do mês de abril do ano corrente, chegou até ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), uma ação denominada Procedimento de Controle Administrativo- com pedido Liminar, proposta pela ANAN (Associação Nacional da Advocacia Negra), esta ação pleiteava ao CNJ a eliminação de um candidato à vaga de Juiz substituto do estadual do Rio de Janeiro-RJ.

O candidato foi aprovado no 48º Concurso para Ingresso na Magistratura de Carreira do TJRJ realizado no ano passado (2021). Ocorre que candidato não apresentava nenhum dos traços negroides, elementos necessários para o reconhecimento de uma pessoa como negra ou parda, mesmo assim se inscreveu no concurso e pleiteou os benefícios da política afirmativa-cotas. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) aprovou a inscrição de tal candidato e ele passou a concorrer às vagas reservadas à negros e pardos.

Após denúncia de membros da sociedade, a ANAN, defensora do Estado Democrático de Direito, dos direitos da população negra, dos direitos e garantiras individuais, difusos ou coletivos, imbuída em combater o racismo institucional e estrutural em todas as suas expressões rapidamente ingressou com uma ação para barrar este ataque aos direitos da população negra propondo o procedimento de controle administrativo ao CNJ.

Pela primeira vez na história o CNJ é desafiado a enfrentar tal questão. Vale dizer que a fraude às cotas é um crime recorrente nas diversas instituições públicas e privadas do Brasil. No ano de 2021 a campanha eleitoral da OAB nos diversos estados da federação foi vítima de fraude às cotas em suas chapas eleitorais, o ministério público vez ou outra é vítima de fraude às cotas, a Defensoria Pública segue na mesma esteira. Os ataques às leis de cotas se tornaram algo natural nas disputas brasileiras, afinal quem é negro ou pardo no Brasil? A dúvida com relação a quem é negro só aparece quando se é concedido algum benefício.

É importante frisar que, em todas as relações de violência, racismo, machismo, sexismo e outras opressões os agressores se valem do mesmo elemento fundador – a força física ou econômica. No ataque ao direito dos negros e pardos à política de cotas raciais não poderia ser diferente, os agressores se valem do seu poder financeiro, suas redes de influências e, principalmente, sua branquitude acionando a benevolência de seus pares.

Ocorre que do mesmo modo como aconteceu em outros estados, o candidato se inscreveu como cotista, teve alguns questionamentos, mas sua branquitude o empurrou adiante. Acostumado a fraudar às cotas se inscreveu como beneficiário das vagas reservadas a negros e pardos. Como anteriormente, foi questionado e, mais uma vez sua branquitude venceu, o que ele não sabia nem esperava é que a ANAN iria ingressar nesta disputa e elevar a discussão às cortes superiores, retirando a discussão do campo colonial.

O CNJ como de costume aprofundou o nível da discussão, relembrando a história e razão de ser da política de cotas raciais: reparação histórica e combate ao racismo estrutural. Eliminou o candidato da vaga reservada. Em apertado resumo segue a decisão do CNJ:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. CONCURSO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE JUIZ SUBSTITUTO. COTAS. NEGROS E PARDOS. CANDIDATO QUE NÃO ATENDE OS REQUISITOS PARA PREENCHIMENTO DA VAGA DE COTISTA. LIMINAR DEFERIDA E SUBMETIDA À RATIFICAÇÃO DO PLENÁRIO.

1. Liminar deferida para suspender a posse de candidato ao preenchimento de uma das vagas reservadas para negros no concurso da magistratura carioca. 2. Com base em critérios legais objetivos, comissão de heteroidentificação instituída pelo CNJ atestou que o candidato não apresenta características fenotípicas comuns à população negra, nem lábios, nem cabelos, nem o tom da pele e concluiu que o candidato possui características físicas de pessoa socialmente branca, quais sejam, cabelo liso, tom de pele clara e lábios finos. 3. Liminar ratificada.

Pela primeira vez na história o CNJ é provocado a decidir uma possível fraude a lei de cotas no Brasil e a decisão foi mais que acertada.

Esse posicionamento do CNJ o coloca como um dos principais defensores da inclusão e da diversidade, entendemos que diversidade é um estado ao qual queremos chegar, queremos empresas, escolas, instituições diversas. Para se chegar à diversidade podemos escolher algumas caminhos diferentes, um dos principais caminhos para se chegar a diversidade é através da política de cotas, ela não é o único, mas até o presente no momento não conseguimos imaginar outro melhor.

Quando o CNJ se coloca como defensor ativo no combate às fraudes nas cotas raciais, como órgão colegiado e fiscalizador ele reestrutura todo um sistema que até o momento se apresentava viciado, as instituições brasileiras vinham compactuando com os diversos tipos de fraudes. Mesmo estando na estrutura da magistratura, o CNJ sinaliza ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), à Corregedoria Geral, ao órgão da Administração Superior da Defensoria Pública-Geral do Estado e ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados, ou seja, a partir de agora todos estão avisados de como proceder frente à fraude das cotas.

É preciso frisar que a fraude às cotas é um ataque ao Estado Democrático de Direito, às instituições públicas, aos direitos humanos, aos direitos da população negra, àqueles que buscam a diversidade e inclusão. Por isso a fraude deve ser combatida severamente, não se pode deixar que haja fraude em nenhuma instituição pública ou privada, sob pena de deixar que aqueles que desafiam a ferir os direitos da população negra brasileira se sintam autorizados a atacá-los fisicamente.

A defesa das cotas não é uma tarefa fácil, haja vista que o racismo ainda impera em nossa sociedade, as relações entre brancos e negros nunca estiveram a prova como tem sido postas nestes últimos anos. A elite branca brasileira não está acostumada a disputar espaços com os negros e pardos, isso faz com que os ataques sejam cada vez mais intensos, que os conflitos se tornem cada vez mais frequentes. Estas elites não terão outra saída, senão se acostumarem com a presença negra, indígena, LGBTQIA+ e mulheres.

Pode não parecer fácil, afinal, ninguém em sã consciência e de livre e espontânea vontade aceitará abrir mão de privilégios, mas se queremos viver em sociedade não há outra saída senão a manifestação total e completa da diversidade.

Dessarte parabéns ao CNJ que, mais uma vez se coloca como verdadeiros profetas das boas novas, dos novos tempos. Embora o processo esteja decidido, não está definido, esperamos que os membros do conselho nacional da justiça – CNJ votem todos a favor da diversidade.

“Se há dez pessoas numa mesa, um racista chega e se senta, e nenhuma pessoa se levanta, então existem onze racistas numa mesa”.

PCA 0002371-92.2022.2.00.0000

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