Recentemente foi publicada a notícia de que a McKinsey está implantando 12 mil agentes de inteligência artificial para transformar radicalmente sua operação. O movimento chamou atenção porque não se trata de mais um hype tecnológico, mas da materialização de um novo modelo operacional. A consultoria, que por décadas moldou o pensamento estratégico das maiores empresas do mundo, agora sinaliza que sua próxima vantagem competitiva não estará apenas na inteligência humana, mas na orquestração entre humanos e agentes autônomos.
Recebi várias mensagens em privado depois do meu último artigo onde abordei sobre novos modelos de precificação. Muitos colegas me perguntaram se a lógica de abandonar o faturamento por hora não era arriscada demais, outros queriam entender como cheguei ao resultado de aumento de margem mesmo reduzindo o custo para o cliente. Esse interesse não me surpreendeu, porque no fundo todos percebem que estamos diante de uma transformação estrutural. E a notícia da McKinsey apenas reforça que não estamos falando de tendências difusas, mas de movimentos concretos que, cedo ou tarde, chegarão à advocacia.
A advocacia sempre teve sua lógica operacional muito próxima das big four. Estrutura hierárquica rígida, precificação padronizada, foco em escala, margens ajustadas à disciplina operacional. Durante anos, os escritórios se orgulharam de replicar esse modelo, acreditando que essa era a única forma de se manter competitivo. Agora me pergunto se a adoção massiva de agentes pela McKinsey não é um indicativo evidente de que a advocacia também será pressionada a mudar.
Pense comigo. Se a McKinsey, que historicamente capturou valor pela capacidade de seus consultores em produzir análises sofisticadas, entende que parte desse trabalho pode ser delegado a agentes de IA, o que isso nos diz sobre escritórios de advocacia que ainda faturam por hora para revisar contratos?
Durante décadas, advogados foram avaliados pelo tempo que dedicavam às suas atividades e não pela eficiência com que entregavam resultados. O valor estava em provar que se passou 10, 20 ou 30 horas em um documento, como se o relógio fosse o verdadeiro parâmetro de qualidade. Esse modelo sempre favoreceu esforço medido, nunca eficiência entregue. A lógica que está se consolidando agora é outra. O futuro será pautado em eficiência e valor. Não importará quantas horas um advogado levou para revisar uma cláusula, mas sim a clareza estratégica que conseguiu extrair, os riscos que antecipou, as oportunidades que conseguiu destravar.
A resposta é óbvia. O que hoje parece “premium” pode amanhã se tornar commodity. E a insistência em preservar o velho modelo pode custar caro. Essa é a provocação que muitos evitam. Será que a advocacia está preparada para se reinventar antes que o mercado a force a fazê-lo?
Em um projeto que liderei, estruturamos um modelo de precificação híbrido com base em camadas de valor. Para tarefas repetitivas, criamos um pacote mensal. Para serviços de média complexidade, combinamos automação com supervisão humana, precificando por entregas definidas. E, para casos de alta complexidade, oferecemos consultoria estratégica de altíssimo valor.
O resultado foi um modelo que reduziu custos para o cliente e, ao mesmo tempo, aumentou a margem do escritório. Isso só aconteceu porque deixamos de pensar em faturamento por hora e passamos a pensar em inteligência escalável. Essa mudança não foi apenas financeira, foi cultural. Ela obrigou advogados e gestores a questionarem a própria essência do que significa entregar valor.
Convenhamos, cobrar por hora em 2025 já não faz muito sentido. Dá para fazer, mas não é sustentável.
O movimento da McKinsey com agentes de IA tem o mesmo efeito que nosso projeto de precificação. Ele força a pergunta: onde realmente está o valor? No caso deles, a resposta foi clara. O valor não está em milhares de horas humanas replicando tarefas, mas em como a inteligência coletiva pode ser ampliada por agentes que trabalham 24 horas por dia, sem fadiga, integrando dados de forma exponencial.
É importante destacar que a McKinsey só conseguiu chegar nesse nível porque tinha décadas de conhecimento estruturado e acumulado em sua base. Essa foi a condição que permitiu que os agentes de IA se tornassem realmente úteis. A advocacia também tem esse potencial. Escritórios que aprenderem a organizar, retroalimentar e ativar sua base de conhecimento terão condições de usar agentes jurídicos de forma estratégica. Não se trata de copiar o modelo da consultoria, mas de reconhecer que o que fez diferença foi a preparação, não apenas a tecnologia.
Assim como o consultor da McKinsey não será substituído, mas potencializado, o mesmo acontecerá com o advogado. A função do consultor passa a ser menos sobre executar cálculos ou organizar dados e mais sobre interpretar cenários complexos, traduzir insights e direcionar a estratégia do cliente. Da mesma forma, a função do advogado será cada vez menos sobre revisar minúcias que podem ser automatizadas e cada vez mais sobre articular riscos, alinhar estratégias jurídicas a objetivos de negócios e antecipar movimentos que impactam a reputação e a sustentabilidade do seu cliente. É exatamente esse o espírito do framework que desenvolvi, criar estruturas que ajudam escritórios a fazer essa transição de forma estratégica e sustentável, transformando conhecimento acumulado em vantagem competitiva real.
Não é trivial tomar essa decisão. Sei disso porque vivi na pele. Quando começamos a questionar o faturamento por hora, a resistência não foi apenas interna. Colegas de mercado chegaram a dizer que o escritório estava “entregando de graça” parte do trabalho. O tempo mostrou que, na verdade, estávamos apenas reposicionando o valor. Enquanto alguns continuam brigando por centavos em planilhas de horas, o escritório estava criando espaço para discutir milhões em projetos estratégicos.
É esse o ponto que diferencia quem está disposto a antecipar mudanças daqueles que preferem reagir quando já é tarde. Essa minoria entende que não se trata apenas de tecnologia, mas de mentalidade. E mentalidade não se copia, se constrói com base em experiências, coragem e visão de longo prazo.
Se eu tivesse que apostar, diria que em breve veremos escritórios criando seus próprios ecossistemas de agentes jurídicos. Não apenas ferramentas isoladas, mas arquiteturas inteligentes em que agentes especializados interagem entre si. Um agente analisa riscos, outro cruza dados regulatórios, um terceiro prepara simulações de impacto financeiro. O advogado entra para interpretar, validar e direcionar a estratégia final.
Esse modelo não está distante. E quando ele se tornar realidade, a lógica de precificação também precisará acompanhar. Ninguém pagará por horas que poderiam ter sido resolvidas por agentes em segundos. O cliente exigirá clareza sobre onde a inteligência humana fez diferença. E é exatamente nesse ponto que os escritórios que já se reposicionaram sairão na frente.
A notícia da McKinsey não é apenas sobre eles. É sobre todos nós. É o sinal mais evidente de que a era da advocacia espelhada nas big four está chegando ao fim. O futuro exigirá outra lógica, outro desenho, outra coragem.
Quando olho para trás, vejo que minha experiência em projetos de estratégia e inovação foi, na verdade, um treinamento para esse momento. Cada decisão arriscada que tomei, cada debate interno que enfrentei, cada desconforto que precisei administrar me trouxe até aqui. Não falo isso para exaltar o que fiz, mas para mostrar que essa jornada não é sobre “heroísmo”, é sobre preparo.
Quem ainda acredita que pode ignorar esses sinais provavelmente vai descobrir que o custo da inércia é maior do que qualquer risco de transformação. O mercado não costuma ter paciência com quem insiste em acreditar que exceções existem. Spoiler: NÃO EXISTEM.
Não se trata de tecnologia, mas de modelo mental. Não se trata de medo de substituição, mas de oportunidade de amplificação. Não se trata de preservar um passado, mas de criar um futuro.
Os agentes da McKinsey são apenas um lembrete poderoso de que o futuro não espera. E a advocacia que sempre se orgulhou de se assemelhar às big four precisa decidir se vai repetir a história ou escrever um capítulo inédito.