Por Luanda Pires e Fernanda Perregil
“Luta por mim
E quando minhas mãos não puderem mais segurar
suas mãos nas minhas, não é para soltar
Sei que não estive só, me resta confiar”
Jup do Bairro[1]
O mês de junho é marcado como o mês do Orgulho LGBTQIAP+ em razão do dia 28 ser celebrado mundialmente como o “Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+”. A data foi marcada no calendário internacional em alusão à Revolta de Stonewall, ocorrida em 1969, que representou um verdadeiro marco em relação à organização política desta população em âmbito internacional.
Assim, durante todo o mês é realizada uma série de eventos e ações que têm como objetivo o debate em torno dos direitos, arte, cultura, vida e política da comunidade LGBTQIAP+ mundial: as “Paradas do Orgulho LGBTQIAP+”. Vale destacar que o Brasil possui a maior parada do mundo, realizada anualmente na cidade de São Paulo – no decorrer de uma semana, são realizados eventos (feiras, debates, caminhadas, marchas, etc…) que buscam discutir as temáticas que envolvem as identidades que compõem a comunidade LGBTQIAP+, finalizando com o grande ato, no domingo, na Avenida Paulista.
Neste ano a Parada do Orgulho LGBTQIAP+ de São Paulo reuniu cerca de 4 milhões de pessoas e teve como tema: “Vote com Orgulho – por uma política que representa”. Sem dúvida alguma, este é um tema central num momento tão decisivo do país onde a população irá às urnas para eleição de novos chefes dos Executivos e Legislativos (Federal e Estadual).
O Brasil ainda necessita superar as consequências oriundas da estratificação social forjada em sua construção que configurou a base da sociedade em relações hierarquizadas e desiguais e colocou à margem de proteção social pessoas que destoavam dos padrões hegemônicos construídos pelo projeto colonizador. Assim, dada o atual panorama do país, as eleições são um sopro de esperança no que diz respeito à retomada da garantia e defesa dos direitos para todas as pessoas.
A “Lei” continua negando as subjetividades individuais das pessoas cidadãs, já que absorveu padrões sociais excludentes que violam de forma sistêmica o direito fundamental das pessoas quase que diariamente. Como pontuado na Marcha do Orgulho Trans, ocorrida durante a Parada do Orgulho LGBTQIAP+ de São Paulo, e muito bem descrito por Jaqueline Gomes de Jesus[1], em obra que esta colunista tem orgulho de assinar artigo sobre Constituição de Direitos, “o sexismo se fundamenta na crença de que o sexo biológico é necessariamente binário (macho e fêmea) e determinante das identidades e papéis sociais (…). Uma transfobia estrutural se expressa por meio das instituições. Como efeito imediato da concepção excludente acima exposta, os procedimentos de saúde que eventualmente se voltam para as pessoas trans por vezes retomam um desrespeito em relação a sua autopercepção e uma tentativa de domínio sobre suas identidades, por meio do controle sobre o direito ao reconhecimento do gênero e sobre o próprio processo de intervenção corporal (ALMEIDA, 2010)”.
A partir disso torna-se fácil entender o porquê de ainda enfrentarmos a ausência de uma legislação efetiva de proteção aos direitos da população LGBTQIAP+ no país como, por exemplo, o nome social das pessoas transexuais e travestis no ambiente de trabalho dentro da iniciativa privada; ou porquê é ausente a proteção acerca da utilização do banheiro compatível com a identidade de gênero das pessoas, cujo tema ainda aguarda julgamento há quase seis anos no STF[2]; ou ainda porquê duas mães precisam ingressar na justiça por licenças-maternidade para ambas, mesmo que o afeto seja a base destas relações.
Se pensarmos em políticas públicas, estamos ainda mais distantes, pois essas seguem os caminhos de agendas políticas comprometidas com a família cisheteronormativa[3], cristã e branca. Limitando-se a proteger a realidade de algumas famílias brasileiras em nome de privilégios que mantém o status social.
Culturalmente ainda se perde tempo combatendo as individualidades da outra pessoa, em um afã de vencer aquilo que ela representa. Demonstra-se que somos frutos dessa construção bélica que vê na diversidade uma ameaça – ainda que seja reiteradamente demonstrado que essa ameaça não existe. A política brasileira revela bem essas feridas, pois coloca há anos o conservadorismo e os argumentos “morais” acima de valores constitucionais, sob a falácia de que uma política moral cristã é a solução para um país laico.
Assim, o mês do orgulho deve ser sim comemorado! Todavia, sem que esqueçamos da urgência de uma reflexão aprofundada em torno das relações humanas, que são adoecidas diariamente nos campos de batalha silenciosos onde discriminações sistêmicas contra às pessoas LGBTQIAP+, pessoas negras, pessoas com deficiência e pessoas indígenas e vários grupos ainda minorizados, são regra.
O momento é mais do que importante, outras questões são demasiadamente urgentes, nosso voto consciente pode mudar muito. O contrário, porém, apenas reafirmará que somos pessoas em apertada contradição: vivemos conectadas mas estamos longe umas das outras. Perdidas e confusas demais para entender que a vida é um direito inegociável e que NADA deve tolher a plenitude de desfrutá-la. A luta é por todes e para todes, confiando mais uma vez que a voz coletiva ainda ressoará mais alto!
Não há política sem a centralidade da vida humana, não há diversidade sem representatividade e não há democracia sem respeito à Constituição!
[1] Música LUTA POR MIM, Jup do Bairro, Álbum CORPO SEM JUÌZO (2020), disponível em https:// www.youtube.com/watch?v+uaBu8BAzyHs
[1] CUNHA, Neon, Liamar Oliveira, Jussara Dias e Clélia Prestes, Enfrentamento dos efeitos do racismo, cissexismo e transfobia na saúde mental, Dandará Editora, ano 2022.
[2] Recurso extraordinário nº 845779.
[3] Pathos – Revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia – ISSN 24476137 – junho/2021: CISHETERONORMATIVIDADE E LUTO NA EXPERIÊNCIA FAMILIAR DA PESSOA NÃO-CISGÊNERO: “Pode-se dizer que a pessoa cis é aquela que sua identidade de gênero (autocompreensão de gênero) coincide àquela designada ao nascimento, diferente da pessoa trans, aquela que sua identidade de gênero não coincide àquela designada ao nascimento. (pág. 51)
“À serviço de tal controle está a heteronormatividade ao normatizar, legitimar e privilegiar a heterossexualidade como constitucional e natural aos seres humanos, respondendo com repressão e marginalização aos comportamentos e desejos que não se submetem à norma heterossexual (Cohen, 1997” (pág. 52).