Nesta semana me relataram um fato e no final me perguntaram: “-isso é racismo?”. O dito popular já diz: “na dúvida não faça”; ou seja, a dúvida já é um sinal de atenção ou proibição.
A história foi a seguinte: em sala de aula um professor de estágio e prática jurídica, de pele branca, ensinando os alunos a montar um currículo, olhou para um aluno negro e disse: “Ele não é branco como a gente. Enquanto tocava sua própria pele afirmou: se ele quiser conseguir estágio ou trabalho terá de ir a lugares específicos, onde tenha cota, programas de diversidade e ação afirmativa. Sem isso nunca conseguirá arrumar estágio ou trabalho!”. O professor finalizou dizendo: “- o mundo é racista!”.
Que o mundo é racista não temos dúvidas, mas e nós, nós não somos racistas?
Em 2004 foi lançada uma campanha com o seguinte título: “Onde você guarda o seu racismo?”, elaborada pela agência de publicidade Rebouças e Associados. Segundo os organizadores “foram entrevistadas 330 pessoas”. “Não sou racista, mas a sociedade me obriga a ser”, afirmou um dos entrevistados. Cada comercial é encerrado com a frase “jogue fora o seu racismo”.
Fora do continente Africano, “o Brasil é o país com maior número de negros, com quase 86 milhões de residentes com origens africanas, o Brasil se classifica como líder nesta seleção, dos 10 países com maior população negra fora da África” (Fonte: https://top10mais.org/top-10-paises-com-maior-populacao-negra-fora-da-africa/).
Por outro lado, o Brasil é um dos países mais racistas do mundo, porém quando se questiona onde estão os racistas, não se encontra nenhum. Assim surgiu a pesquisa: “Onde você guarda o seu racismo?”.
No relato inicial, o professor não se considera racista. A certeza da sua supremacia branca é tão forte que ele jamais aceitaria, tampouco consideraria a remota hipótese de ter sito racista, afinal racistas são os outros. Eu, ah! Eu sou o “branco salvador”, estou ajudando este pobre coitado a encontrar a salvação. Sem mim, este aluno negro jamais se conscientizaria de sua condição de “incapacidade”, por isso eu o friso, “você sem cotas jamais conseguirá um estágio ou trabalho.”
Na cabeça do professor seu comentário não poderia ofender, pelo contrário, pensa o professor, que ensina sobre o mundo racista e faz o favor de situá-lo nesse mundo, descrevendo o lugar que o aluno ocupa na casta social.
Este professor foi racista, mas ele é muito superior aos demais para cometer este ato abjeto. Para além de analisarmos seu comportamento precisamos entender como nasce esta figura narcísica. Muitos entendem que o racismo está nos outros! “Eu sou a medida certa das coisas e, outros estão sempre a menos ou a mais; e pouquíssimos na mesma medida em que estou”, provavelmente pensa o professor.
Como responderam todos os entrevistados da campanha “Onde você esconde seu racismo?”, os racistas são outros e eu não sou racista.
Este fato nos leva ao celebre J.P Sartre que nos ensinou: “o inferno são os outros.” (SARTRE, 1970, p. 75, tradução nossa- “Entre quadro paredes”). Com esta última frase o filósofo francês referia-se ao fato de que muito do que padecemos é o resultado do nosso encontro com a alteridade.
O racista, machista, misógino, homofóbico, capacitista será sempre o outro e Sartre muito bem nos indica a dificuldade em lidar com a alteridade. Muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam que a existência do “eu-individual” só é permitida mediante um contato com o outro e, o contato com outro, na maioria das vezes nos revela coisas assustadoras sobre nós mesmos. Foi o que aconteceu com o professor em questão, ao dialogar com um aluno negro. O outro, revelou todo racismo que guardava para si, sob sete chaves.
Vale frisar que ninguém dá o que não tem. O contato com o aluno negro revelou o racista que aquele professor é. Muitas vezes o contato com o homossexual revela aquele ódio à pessoa que se relaciona com outra pessoa do mesmo sexo. De outro filosofo muito importante é a frase: “conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”, difundida por Sócrates. Ela nos fala da importância do autoconhecimento e, de acordo com Sartre, o caminho para o conhecimento de si está no outro.
Culpamos os outros de males que há em nós mesmos. Quando dizemos que os outros são racistas, estamos falando do racismo que há em nós. Freud disse “Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. Ao negar ser racista, o brasileiro assina sua confissão de racismo. O problema da negação é que ela impede que aquela determinada situação seja tratada e, por conseguinte, resolvida.
Neste sentido, abrir espaços para a diversidade é o primeiro passo para conhecermos a nós mesmos, aceitarmos nossas imperfeições materializadas no racismo, machismo, homofobia e tantas outras. O segundo passo para a cura, a evolução e o sucesso na vida pessoal e profissional depende da aceitação e correção. Aceitar que somos racistas e buscar eliminar nosso racismo.
Nesta série de artigos sobre diversidade falamos sobre diversos motivos que deveriam levar as empresas públicas e privadas e investir na diversidade. Hoje apontamos mais um motivo, talvez o mais importante: a diversidade é o único caminho que nos leva ao autoconhecimento, ao conhecimento do universo e dos deuses.
O desejo de culpar o outro é tão grande que estamos a todo momento dizendo o mundo é racista, eles são racistas, eu não. A campanha frisou a frase que aparece em quase todos os depoimentos, “Não sou racista, mas a sociedade me obriga a ser”, não sou racista, o outro me obriga a ser. Na história bíblica, quando Deus pergunta a Adão: “Você comeu do fruto da árvore da qual lhe proibi comer? ” Adão responde “Foi a mulher que me deste por companheira que me deu do fruto da árvore, e eu comi”. Ou seja, sempre é o outro, nunca sou eu.
No Brasil os racistas se escondem atrás do “é mi-mi-mi”. Com isso estão dizendo a culpa é do outro que é sensível demais, que chora à toa, que se ofende por nada, foi ele que entendeu errado, eu estou certo e o outro é o diabo.
O professor terá a oportunidade de se conhecer melhor e conhecer o universo. O fato lamentável é que, o que o levou ao autoconhecimento é a prática do crime de injúria racial e discriminação. Muitos brasileiros passam por isso. Vale citar o caso da cantora Luísa Sonza.
A possibilidade de sair desta vida mais evoluídos do que quando aqui chegamos não tem preço. O ideal seria que o professor tivesse prestado maior atenção nas oportunidades que a vida lhe deu, em contatos com outras pessoas negras, nos artigos como este, livros e na televisão; contudo nos parece que ele não prestou muito atenção nas indicações do universo. Agora ele terá de lidar com alguns inconvenientes e, talvez tenha que dispensar alguns valores pela aula. Entretanto o conhecimento de si e dos deuses não tem preço.
Precisamos diversificar nossas casas, empresas, escolas, restaurantes, escritórios e fórum a fim de que o contato com outro nos possibilite o conhecimento sobre nós, do universo e dos deuses. Esta responsabilidade fica a cargo da liderança, dos gestores, governantes, presidentes e das pessoas que tenham o poder de incluir e diversificar o ambiente.
A diversidade e, somente a diversidade poderá nos trazer esse bem; o bem da vida plena e feliz. O distanciamento do outro, a homogeneidade, a homogenia branca só resultará em fracasso e incapacidade de diálogo, brutalidade e por fim o nazismo e fascismo em suas formas mais cruéis.
O distanciamento do outro, e o fechamento em nós mesmos, nosso grupo fechado de trabalho ou estudos tira toda a possibilidade de o diabo estar em nós. Precisamos diariamente nos exorcizarmos dos diabos que existem em nós através da diversidade.
Ainda não sabemos qual caminho o professor irá seguir, se irá reconhecer o seu diabo interior e se submeter ao exorcismo da lei, ou se irá negar a prática de qualquer atitude criminosa gritando que o inferno são os outros, culpando o aluno e deixando escapar mais uma possibilidade de conhecer a si, o universo e os deuses.
Por fim faço um faço um apelo a você que, na dúvida reconheça suas fragilidades e deixe que o encontro com o outro, com a diversidade expurgue todo lixo do racismo, machismo, xenofobia, narcísico e outras entulhos que possam estar te impedindo de crescer.
Referências teóricas
Lançada campanha para combater o racismo: Disponível em https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lancada-campanha-para-combater-o-racismo,20041214p33384.amp Acesso em: 28 de setembro de 2022 às 01h42.
O OLHAR DA ALTERIDADE: “O INFERNO SÃO OS OUTROS” Adson Cristiano Bozzi Ramatis LIMA
UEM – Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Maringá – PR – Brasil. 87020-900 – a.bozzi@uol.com.br
Bíblia Sagrada NVI. Gênesis 3:11,12
https://www.academia.org.br/artigos/conhece-te-ti-mesmo
https://www.diferenca.com/nazismo-e-fascismo/