Criada na indústria de software e “emprestada” por vários setores, a abordagem ágil pode ser a solução para fomentar a inovação e a eficiência dos serviços jurídicos.
Já faz mais de 20 anos desde que um grupo de desenvolvedores se uniu para pensar alternativas aos métodos tradicionais de gestão da indústria de software. O Manifesto Ágil, publicado em 2001, foi a base para o desenvolvimento de diferentes abordagens adotadas inicialmente pelo mercado de tecnologia, que possibilitaram, entre outros fatores, o grande avanço do setor nos últimos anos.
A ideia desses desenvolvedores era encontrar um caminho para tornar o sistema de trabalho mais flexível e menos burocrático para dar vazão à inovação e tornar as entregas mais eficientes, tanto para seus clientes quanto para os times de desenvolvimento. A partir disso, o grupo documentou quatro valores e dez princípios que deram origem a uma série de abordagens que hoje são usadas em diversos setores, inclusive nos serviços jurídicos.
Valores do Manifesto Ágil:
- Indivíduos e interações acima de processos e ferramentas;
- Software funcionando é mais importante do que documentação abrangente;
- Colaboração com o cliente à frente da negociação de contratos;
- Responder às mudanças acima de seguir um plano.
Princípios do Manifesto Ágil:
- Entregar software funcionando com frequência;
- Dar prioridade à satisfação do cliente;
- Trabalhar em conjunto com o cliente;
- Acolher mudanças nos requisitos, mesmo no fim do projeto;
- Construir projetos em torno de indivíduos motivados;
- Usar comunicação face a face;
- Medir o progresso principalmente pelo software funcionando;
- Promover ambiente de desenvolvimento sustentável;
- Manter a simplicidade;
- Auto-organização da equipe.
Gestão jurídica: do Taylorismo aos métodos ágeis
Antes de pensarmos em como as metodologias ágeis podem ajudar o mercado de Direito, precisamos entender o contexto em que os serviços jurídicos estão inseridos e como as transformações da era digital têm demandado novos olhares para os modelos de trabalho e gestão.
Via de regra, as organizações de produtos e serviços — dentre elas escritórios de advocacia ou departamentos jurídicos — adotam, muitas vezes sem saber, o modelo organizacional Taylorista. Este modelo foi criado por Frederick Winslow Taylor no final do século XIX, no contexto da Revolução Industrial, e se popularizou por otimizar recursos, gastando menos e produzindo mais.
Com as mudanças trazidas pela era digital, combinadas à hiperjudicialização brasileira — há cerca de 80 milhões de processos em trâmite no país atualmente —, esse método acabou criando grandes linhas de produção no mercado jurídico. O aumento dessas demandas somado às mudanças constantes trazidas pelos avanços da tecnologia, o setor jurídico intensificou os mecanismos de comando e controle e trouxe novas camadas de complexidade para as organizações de advogados.
As medidas, pensadas para aumentar a capacidade de produção dessa indústria jurídica, acabou adicionando novos obstáculos ao que já estava no limite. Nesse contexto, o resultado tanto quem presta como quem contrata o serviço jurídico sente os impactos: muito volume, trabalho padronizado de baixo custo, baixa qualidade e praticamente nenhuma reflexão sobre as especificidades de cada caso.
Abordagens ágeis para um setor jurídico complexo
Mesmo que a passos lentos demais, na nossa opinião, o Direito tem se inspirado em áreas como a tecnologia e o design e incorporado novos caminhos, como os métodos ágeis, para trazer mais autonomia aos profissionais e, com isso, fomentar a inovação e aumentar a eficiência de suas entregas. Vemos esse movimento abrindo espaço para um jurídico mais criativo e eficiente, abrindo espaço para redesenhar os modos de trabalho e o pensamento jurídico.
Na prática, essa abordagem permite a administração diária e contínua de toda a complexidade organizacional dos serviços jurídicos. Dessa forma, é possível criar um sistema de trabalho colaborativo no qual o time jurídico atue de forma ágil, com planejamentos de ciclo curto e em um ambiente de transparência radical, que possibilita o acompanhamento contínuo de cada projeto e as correções de rotas necessárias de forma sincronizada.
Cases de sucesso: como o setor jurídico do maior banco privado do Brasil e um escritório de advocacia se tornaram referência utilizando métodos ágeis
Excesso de trabalho, times desengajados, baixa produtividade e resultados insuficientes: essa é a realidade de muitos escritórios de advocacia e departamentos jurídicos atualmente. Para muitos gestores, a conta não fecha. Os profissionais contratados são de alto nível, há investimento em tecnologia e em medidas para motivar a equipe. Ainda assim, a coisa parece não sair do lugar.
O advogado Leandro Gonzales* vivenciou isso na pele enquanto esteve, por mais de uma década, à frente do jurídico do maior banco privado do Brasil. Quando assumiu a liderança do escritório interno de advocacia trabalhista da organização, percebeu que o setor estava em crise. Sua resposta ao problema foi mexer na estrutura de trabalho, saindo de um modelo tradicional engessado para uma gestão baseada na agilidade, com abordagens que trouxeram mais transparência, autonomia e inovação para o time e, consequentemente, mais resultados para a companhia.
Gestão ágil no jurídico do maior banco brasileiro
Quando Gonzales assumiu parte da gestão do escritório interno de advocacia trabalhista da instituição financeira em 2016, se deparou com uma série de problemas. O escritório, que havia sido criado para ser referência de boas práticas e resultados, estava na iminência de ser encerrado: baixa performance, problemas de clima, baixo engajamento, jornadas extensas e pouca confiança por parte dos clientes internos.
Após observar o funcionamento da unidade, o gestor jurídico levantou uma hipótese: o problema não eram os advogados, tampouco a conduta da empresa, mas, sim, a estrutura de trabalho, baseada no tradicional modelo taylorista, baseada no comando e controle, na hierarquia e na divisão funcional, e que não privilegiava a fluidez do trabalho, a comunicação e o aprendizado contínuo.
Para comprovar sua hipótese, Gonzales fez alguns testes. De início, decidiu implantar uma estrutura ágil chamada Scrum, algo nunca tentado no mundo jurídico até o momento. Sua aposta era que, em um ambiente de transparência radical, compromisso extremo e com um modelo de trabalho baseado no empirismo, os resultados seriam outros em pouco tempo.
Em seis meses de trabalho, essa abordagem ágil se mostrou poderosa: a performance do time jurídico decolou, os problemas de clima acabaram, o engajamento cresceu consideravelmente e a confiança dos clientes chegou a níveis inéditos. Tudo isso, sem que o time precisasse fazer sequer uma hora extra.
Em 2018, o advogado assumiu toda a gestão do escritório interno com um novo desafio: adotar o Scrum em toda a estrutura e continuar a evolução dos times, mas agora com uma equipe bem mais enxuta. Mais uma vez, a agilidade se mostrou a resposta certa e em poucos meses, novos recordes de performance foram alcançados.
O primeiro escritório de advocacia ágil do mundo
Um dos sonhos de Gonzales era criar um escritório de advocacia referência para o mercado, capaz de atender os clientes com os maiores níveis de excelência e performance possíveis, em um ambiente de trabalho promissor para os advogados. Seu desejo era criar uma organização que também servisse como um laboratório de gestão, onde ele pudesse introduzir em uma estrutura ágil tudo o que fosse de mais moderno em gestão para ajudar a transformar o mundo jurídico.
Assim, em 2022, surgiu o Leandro Gonzales Advogados, um escritório que já nasceu com uma estrutura ágil, em Scrum, e que já no seu 1° dia de operação recebeu o desafio de atuar em mais de 1.000 processos de um dos maiores bancos do mundo. Gonzales, agora CEO do escritório, apostou mais uma vez no poder do Scrum para enfrentar os grandes desafios de gestão somados ao desafio de construir um escritório do zero que atuasse em alto regime já no seu primeiro dia.
Trabalhando de forma empírica, aprendendo dia a dia a como produzir mais e em menos tempo, com a máxima excelência e em um ritmo sustentável, o desafio inicial foi superado e ainda no primeiro semestre de atuação o escritório se tornou líder em resultados.
Agora com um ano em funcionamento, essa estrutura ágil montada permanece evoluindo, com experimentações e resultados crescentes, se tornando um modelo de gestão jurídica contemporânea.
E você, já pensou em usar a gestão ágil no seu dia a dia? Eu apliquei em meus times jurídicos há dois anos e não me vejo trabalhando de outra forma. E sim, aprendi com ele, Leandro Gonzales 🙂.
Referência do conteúdo: blog da Nau d´Dês:
https://www.nauddes.com.br/geral/gestao-agil-no-direito-como-as-metodologias-ageis-podem-trazer-ganhos-para-o-mercado-juridico/
https://www.nauddes.com.br/gestao-juridica/gestao-agil-na-pratica-cases-de-sucesso-no-direito/