Para que tenhamos, de fato, um ambiente mais humano e acolhedor, que promova discussões a respeito de diversidade e inclusão (gênero, orientação sexual, raça, etarismo, religião e outros), é fundamental que as lideranças tenham uma consciência ampliada sobre essa temática.
O papel do RH tem se tornado cada vez mais relevante para a conscientização, o pertencimento e o engajamento de gestores e profissionais nessa pauta. O dever das empresas de estabelecerem relações igualitárias e respeitosas ganha maior relevância. Porém, ainda é preciso avançar em frentes que potencializem uma gestão mais focada no tema e acreditar, de forma genuína, que no poder das diferenças encontraremos sempre mais valor.
Apesar de todas as evoluções que já temos visto, ainda temos um longo caminho a percorrer. Vieses inconscientes ainda existem e continuam direcionando decisões, o que reflete em comportamentos preconceituosos sobre uma determinada pessoa, tema ou grupo social.
Nesse sentido, convido a advogada trabalhista e parceira de trabalho, Érika Seddon, estudiosa da temática, que contará um pouco sobre a inserção da mulher no mercado profissional e sobre normas que apontam avanços no tema diversidade e inclusão de um modo geral.
O avanço da legislação trabalhista
Até 1989, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) autorizava o pai ou marido a requerer a rescisão do contrato de trabalho de sua filha ou esposa, em caso de ameaça aos vínculos da família ou perigo às condições peculiares da mulher.
A sociedade brasileira sem dúvida evoluiu. Contudo, a efetiva integração da mulher no mercado de trabalho é ainda distante. Segundo pesquisa conduzida em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 54% das mulheres com mais de 15 anos trabalham ou estão procurando trabalho.
A mesma pesquisa revela que, em 2019, os rendimentos das mulheres equivaliam a 77,7% dos rendimentos dos homens. Essa discrepância remuneratória salta ainda mais aos olhos se considerarmos que as mulheres possuem taxas de frequência escolar significativamente superior aos homens: no ensino médio, são 66,7% para homens e 76,4% para mulheres e, no ensino superior, 21,5% para os homens contra 29,7% para mulheres.
Sob a promessa de combater a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, foi sancionada a Lei 14.611, em 3 de julho de 2023.
A norma inova ao determinar que empresas com 100 ou mais empregados publiquem semestralmente relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios. Neles, deverão constar dados anonimizados que permitam a comparação objetiva entre salários e remunerações, além da ocupação de cargos de direção, gerência e chefia por mulheres e homens. Referidos dados deverão ser acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre desigualdades relacionadas à raça, etnia, nacionalidade e idade.
A análise dos dados a constarem do relatório exige cuidados e irá demandar um trabalho árduo pelos departamentos de recursos humanos das empresas. Isso porque, a depender do setor de atuação da empresa, eventual disparidade salarial pode ser reflexo de fatores sociais anteriores ao ingresso das mulheres no mercado de trabalho e não atribuíveis às empresas. Por exemplo, o maior número de homens ou mulheres em um curso de graduação presencial: segundo o IBGE, em 2019, as mulheres eram 73,2% dos alunos em cursos de saúde (excluída medicina) e 13,3% dos alunos em cursos de computação e tecnologia.
A forma de envio dos dados pelas empresas ainda não foi fixada, mas a lei estabelece que o Poder Executivo irá publicar os relatórios de transparência emitidos pelas empresas em plataforma eletrônica de acesso público, que contará também com indicadores sobre o mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, indicadores de violência contra a mulher, vagas em creches pública, acesso à formação técnica e superior e serviços de saúde. A não publicação do relatório semestral importará na aplicação de multa administrativa correspondente a até 3% da folha de salários, limitada a 100 salários-mínimos (R$ 132.000,00, em 2023).
A mesma lei também aumentou a multa para violações à obrigação de pagamento do mesmo salário para o trabalho de igual valor, na mesma função, prestado no mesmo estabelecimento empresarial, sempre que o motivo da distinção se fundamentar em sexo, raça, etnia, origem ou idade. Agora a multa poderá ser fixada em até 20 vezes o valor do novo salário do empregado discriminado, elevado ao dobro no caso de reincidência.
A norma prevê ainda a instituição de protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres. Até o momento não houve a publicação de norma específica do Ministério do Trabalho e Emprego sobre a fiscalização do tema, mas já se sabe de empresas notificadas pelo Ministério Público do Trabalho para que entreguem o relatório de transparência salarial.
A Lei 14.557/2022 também faz coro às tentativas de efetiva integração da mulher no mercado de trabalho. Por meio de tal norma se fixaram medidas para a promoção de um ambiente laboral sadio, seguro e que favoreça a inserção e a manutenção de mulheres no mercado de trabalho a partir do Programa Emprega + Mulheres. A norma prevê medidas de apoio à parentalidade, flexibilização do regime de trabalho, qualificação das mulheres em áreas estratégicas para a ascensão profissional e prevenção e combate ao assédio e outras formas de violência no mercado de trabalho.
As novas normas requerem reflexão sobre as atuais práticas pertinentes à proporção de cargos de direção ocupados por homens e mulheres e discrepâncias remuneratórias, além da implementação – ou verificação da efetividade – dos treinamentos anuais obrigatórios sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho, já prevendo temas de equidade entre homens e mulheres como dispõe a nova Lei 14.611/2023.
*Renata Maiorino é diretora de Desenvolvimento Humano e Érika Seddon é sócia do Mattos Filho.