Inicialmente nos Estados Unidos, a alteração significativa anunciada pela Meta em sua política de plataformas como Facebook e Instagram acerca da descontinuidade do programa de checagem de fatos e sua substituição pelo sistema de “notas de comunidade”, no qual as(os) próprias(os) usuárias(os) poderão corrigir os conteúdos, ecoou fortemente no Brasil.
A decisão levanta importantes reflexões no âmbito jurídico e ético ao sinalizar uma transformação que poderá impactar a salvaguarda de direitos, especialmente em países em que a propagação de desinformação tem sido uma constante.
A liberdade de expressão, direito fundamental, vem consagrada no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. No entanto, o próprio texto constitucional também consagra proteção a outros direitos, como à honra e à imagem das pessoas e ao acesso à informação, o que revelou a intenção do constituinte de, não obstante, elevar a liberdade de se expressar a pilar da democracia, deixando claro que não é ilimitada e deve coexistir com outros direitos fundamentais.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas ocasiões, tem reforçado a importância de combater a desinformação, especialmente em contextos que ameacem a estabilidade das instituições democráticas e a integridade do debate público. Nesse sentido, um exemplo emblemático foi o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572, no qual a Corte Máxima declarou a legalidade e a constitucionalidade do inquérito instaurado para apurar a existência de notícias fraudulentas, deixando nítida sua posição de que a propagação de desinformação não pode se abrigar sob o manto da liberdade de expressão.
Não se deve confundir a liberdade de se expressar nas plataformas (o debate de ideias, a divergência de opiniões são bem-vindas e fundamentais para enraizar e consolidar a democracia) com a propagação de desinformação, notícias falsas e fraudulentas (o cerne da atual preocupação).
Não se trata de silenciar vozes e sim promover a compreensão de que a liberdade de se expressar não é absoluta e ilimitada e está sujeita à responsabilização.
Ao abandonar um sistema estruturado de checagem profissional, a Meta, além de amplificar o risco de proliferação de desinformação, por faltarem garantias de critérios técnicos e de imparcialidade nas correções realizadas pelas comunidades, “transferindo a responsabilidade” de verificação de fatos às(os) usuárias(os) das plataformas, a ética e suas políticas de compliance poderão restar questionadas, fragilizando, inclusive, sua reputação e credibilidade.
Um programa de compliance robusto exige que todas as empresas, sobretudo as big techs, adotem práticas consistentes em respeito às legislações.
No âmbito interno, o Marco Civil da Internet, por exemplo, impõe às plataformas digitais a responsabilidade de garantir ambiente online seguro, equilibrando a liberdade de expressão com a proteção de direitos fundamentais.
Para mitigar os riscos, um modelo híbrido poderia ser concebido, combinando a manutenção de parcerias com instituições profissionais e especializadas em checagem de fatos e contribuições da comunidade, pois, sem renunciar à participação ativa das(os) usuárias(os) nas plataformas, revelaria o comprometimento das empresas com a fidedignidade dos fatos veiculados.
Sem olvidar a contribuição de tecnologias avançadas, como a inteligência artificial (IA), na identificação de conteúdos de forma rápida e eficaz, iniciativas de educação midiática também poderão ser caminhos promissores para a consolidação de ambientes digitais mais responsáveis.
Em suma, a decisão da Meta de descontinuação de seu programa de verificação de fatos exigirá análise crítica das instituições e autoridades nacionais sob os ângulos da constitucionalidade e do compliance, por ser imperativo para a preservação das instituições democráticas, dos direitos individuais e coletivos, bem como para a manutenção da confiança pública nas plataformas de mídias sociais.
O binômio liberdade/responsabilidade não pode ser negligenciado.