A violência psicológica como elemento dificultador da inclusão

A consequência – quase – natural do debate em torno das violências de gênero é o impacto dessas relações desiguais e assimétricas na vida pessoal das vítimas, vez que o comprometimento de suas saúdes é fato inegável. Todavia, o necessário raciocínio em torno dos efeitos destes adoecimentos na vida pública destas pessoas ainda é pouco estimulado e pensado. Porém, quando estas agressões, construídas a partir de estereótipos de gênero, estão em discussão, é preciso que a indissociabilidade de suas consequências seja pensada. Aqui não há matéria de ordem pública e privada. O que existe é a omissão.

O “gaslighthing” e o “love bombing”, conceitos definidores de violências psicológicas comumente identificáveis em relacionamentos amorosos abusivos são exemplos disso. “Gaslighthing” é um termo surgido nos anos 90 em razão do filme “Gaslight”. Neste narra-se a história de um homem que, para tomar posse da fortuna da esposa, a manipula psicologicamente até convencê-la da perda do domínio de sua sanidade mental.

Segundo especialistas, trata-se de uma forma de abuso psicológico que, muito embora seja característico de relações afetivas, pode apresentar-se em outras relações íntimas (desde família, amigos, até no trabalho) e tem como objetivo gerar instabilidade emocional nas vítimas a partir da manipulação seletiva de informações (distorção, omissão, invenção). Fazendo com que não acreditem mais em suas próprias percepções de realidade e criem ainda mais dependência do (a) parceiro (a).

Os comportamentos praticados por pessoas que cometem o gaslighting afetam a autoestima da vítima que, diante da confusão mental que é instaurada, perde sua confiança e autonomia por não sentir-se capaz de executar atividades sozinha ou por entender que não é boa o suficiente para tanto. São atitudes comuns dos (as) abusadores (as):

  • afirmar que as vítimas estão sempre “exagerando”, são “muito sensíveis” ou “loucas”, quando são questionados (as) sobre determinado assunto;
  • contar mentiras de forma muito elaborada, fazendo com que a vítima, ainda que tenha certeza dos fatos, se confunda e acabe por não conseguir discernir o que é realidade ou não;
  • negar fatos com muita convicção, ainda que diante de provas;
  • falar mal das vítimas para pessoas próximas, como filhos e amigos, para minar sua confiança;
  • negar as reais intenções de suas atitudes, fazendo com que a pessoa manipulada acredite que todas as ações são para o seu próprio bem.

Já o “love bombing” é identificado a partir de demonstrações exageradas de afeto e romantismo, seguidas por condutas abusivas. Característico de pessoas com comportamento egocêntrico que, em busca de admiração e elogios, “bombardeiam” os (as) parceiros (as) com presentes e demonstrações excessivas de romantismo. Porém, cada vez que têm suas expectativas frustradas, por perceberem que não são o centro das atenções, passam a desqualificar os (as) parceiros (as).

Dentro desta perspectiva, é importante ressaltar que são as mulheres, e todas aquelas pessoas que dentro desta estrutura binária não performam os padrões socialmente construídos como masculinos, as mais afetadas.  Contudo, dado o caráter estrutural destes padrões misóginos que dão origem a essas manipulações, estas ações podem ser perpetradas por quaisquer pessoas e identificadas em qualquer relação, independente de orientação sexual.

Essas manipulações psicológicas atingem a autoconfiança e autoestima das vítimas provocando instabilidade emocional ao ponto destas pessoas acreditarem que suas percepções em torno da realidade são duvidosas. Fazendo com que sintam que precisam do olhar do outro para tomar qualquer tipo de decisão, ainda que corriqueira. Além disso, desencadeiam depressão, ansiedade, dependência, transtorno do pânico, estresse pós-traumático, isolamento social, dentre outros.

Assim, muito embora tais violências não tenham início no ambiente de trabalho, por estarem ligadas diretamente à psiqué seus impactos serão, inevitavelmente, percebidos também neste âmbito. Uma vez que o comprometimento da saúde mental destas vítimas fará com que não se sintam capazes de realizar suas funções, deixando-as confusas frente às exigências do dia-a-dia, desatentas, acuadas e suscetíveis a erros. Impedindo com que atinjam seus potenciais máximos.

Por esta razão é necessário o desenvolvimento de uma gestão responsável, humanizada e comprometida com um processo inclusivo efetivo. Um que entenda que não há como manter um ambiente diverso sem que o caráter estrutural das discriminações baseadas no gênero e a indissociabilidade dos seus impactos sejam colocados como elementos norteadores de qualquer programa de compliance em diversidade. Pois, quando ignorados, impossibilitam a verdadeira inclusão.

Daí a necessidade do entendimento de que, muito embora a Diversidade e a Inclusão sejam temáticas trabalhadas em conjunto, não são sinonímias. A diversidade está atrelada à representação dos mais variados grupos sociais nos espaços, já a inclusão diz respeito à manutenção desta representatividade. E isto se dá a partir do reconhecimento dos marcadores que perpassam essas existências. Tornando, assim, a inseparabilidade do “público” e do “privado” inconteste.

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR DE:

Rolar para cima