Saída de sócio em escritórios de advocacia – como proceder?

A saída de um sócio de uma sociedade de advogados é uma prática comum, que pode ser motivada por diversos fatores, como: desejo de autonomia, divergências quanto aos processos, visões estratégicas diferenciadas, discordância quanto às formas de remuneração ou sobre o rumo do escritório, entre outros.

A saída de determinado sócio pode acontecer repentinamente – surpreendendo os outros sócios, as equipes e os clientes ou ser conduzida de maneira cristalina, com aviso prévio. Para evitar surpresas indesejáveis, principalmente considerando-se a hipótese de uma saída repentina, é recomendável que se faça um Acordo de Sócios bem detalhado, que regule os direitos e deveres entre os sócios, incluindo a distribuição de lucros, transferência de quotas da sociedade, falecimento, retirada e exclusão de sócios, entre outros assuntos.

Embora o Contrato Social (que é um ato formal, com conteúdo mínimo obrigatório e que deve ser levado a registro público junto a OAB e sua Seccional competente) costume abordar alguns temas de maneira genérica, o Acordo de Sócios pode trazer regras mais detalhadas, que não precisam ser de conhecimento de terceiros.

Especificamente em relação à exclusão, saída consensual ou dissolução, é imprescindível que se regulamente o pagamento de haveres e seja abordada a questão da captação de clientes e ex-clientes do escritório. Este último assunto costuma suscitar diferentes posicionamentos, e já foi inclusive abordado pela Resolução n. 16/98 do Conselho Estadual da OAB/SP:

“Advogado desligado de escritório de advocacia ou de sociedade de advogados, de que tenha participado como empregado, associado, sócio ou estagiário, deve abster-se de patrocinar causas de clientes ou ex-clientes desses escritórios, pelo prazo de dois anos, salvo mediante liberação formal pelo escritório de origem, por caracterizar concorrência desleal, captação indevida de clientela e de influência alheia, em benefício próprio.

Parágrafo único – A concorrência desleal e a captação de clientela, a que se refere o ‘caput’ desta Resolução, devem ser comprovadas para posterior notificação à parte infratora visando à abstenção das violações.”

É pacífico o entendimento de que tal Resolução deve ser aplicada ao caso concreto e que tal assunto pode ser detalhado no próprio Acordo de Sócios ou por meio de livre negociação entre as partes. Além do mais, foram registradas ressalvas taxativas sobre a regra disposta, como por exemplo[1]:

–  A eventual negativa da liberação por parte do escritório deveria ser motivada, sob pena de contrariar o princípio da boa-fé objetiva e caracterizar abuso de direito;

–  Se a escolha do cliente se der pela competência do advogado que se retira do escritório ou sociedade, seria abusivo negar-se a liberação formal a que alude a Resolução; e

– caso o advogado, ao entrar no escritório, tiver trazido consigo o cliente para quem pretende advogar ao retirar-se; ou nos casos dos clientes que não são mais atendidos pelo escritório de advocacia por força de renúncia ou substabelecimento de mandato.”

Mesmo havendo divergência entre a aplicabilidade das ressalvas previstas em tal Resolução, é pacífico o entendimento de que deve prevalecer a boa-fé objetiva entre as partes e se evitar o abuso de direito.

Independentemente da maneira de como acontece o desligamento do sócio, é preciso haver cautela na condução do assunto dentro do escritório e fora dele. Internamente, é recomendável que haja uma comunicação rápida e transparente à equipe, com uma mensagem de união e otimismo. Além disso, o Departamento Financeiro deve ser envolvido em um planejamento de curto prazo e as equipes e ferramentas podem ser reavaliadas, de forma que os processos fiquem mais ágeis e efetivos.

Com relação ao público externo e para garantir a proteção da marca jurídica, é necessário focar na comunicação com os clientes e parceiros, de forma que a mudança não traga insegurança para o atendimento e reputação do escritório.

Em suma, em um escritório de advocacia, um Acordo de Sócios bem detalhado pode evitar ou minimizar consequências negativas decorrentes do desligamento de um sócio, além de viabilizar um ambiente mais seguro e respeitoso com os funcionários, clientes e parceiros.

[1] (Processo E-4.292/2013 – v.m., em 20/02/2014, parecer e ementa do Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI, vencido o Rel. Dr. FÁBIO TEIXEIRA OZI, com declaração de voto do Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF – Rev. Dr. FÁBIO PLANTULLI – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA)

Nadia Andreotti Tüchumantel Hackerott é consultora associada do HBC Advogados e possui extensa experiência na área de Propriedade Intelectual, como marcas, patentes, desenhos industriais, nomes de domínio, softwares, direitos autorais, concorrência desleal, segredos industriais, transferência de tecnologia, inovação, parcerias tecnológicas e assuntos relacionados ao Direito Digital. Pós-graduada em Direito Contratual e em Direito Digital e Compliance. Fez cursos de extensão em Direito Digital Aplicado e Tributação dos Negócios de Tecnologia e Propriedade Intelectual e especialização em Propriedade Intelectual nos Estados Unidos e no Japão. Coordenadora e autora da obra “Aspectos Jurídicos do E-commerce”.


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