Desvelando a objetificação do corpo da mulher: passos de transformação

Por Luanda Pires e Fernanda Perregil

Não é raro vermos mulheres sendo colocadas exclusivamente como um “corpo”, sofrendo julgamentos cruéis sobre suas aparências físicas, idade, peso, altura ou outras características em geral, por meio de frases como: “nossa, como ela envelheceu”, “ela já esteve melhor”, “ela está gorda” ou “essa roupa não é mais apropriada pra ela”.

Este valor imposto pela sociedade aos corpos das mulheres é traduzido socialmente na própria origem da felicidade feminina, desencadeando uma hipervalorização e culto a corpos perfeitos ou inatingíveis. Como se ao “atingirem” os corpos perfeitos trazidos pela mídia – mulheres, em sua maioria brancas, sempre magérrimas, de rostos assimétricos, cabelos lisos – alcançassem a felicidade plena. 

Todavia, a realidade é o desencaixe a estes estereótipos que tem impactos severos na saúde e vida destas mulheres. Não à toa, segundo a Sociedade Internacional da Cirurgia Plástica, o Brasil foi o campeão em cirurgias plásticas entre 2018 e 2019, seguindo os demais anos no topo da lista ao lado dos Estados Unidos*.

Não para por aí, segundo pesquisa feita por Dove*, aos 13 anos meninas de todo o mundo, em busca de padrões inalcançáveis de beleza, utilizam diversos filtros e aplicativos nas redes sociais para mudarem suas imagens e aproximarem-se dos padrões de beleza impostos pelas sociedades.

Este estudo, que analisou dados de 503 meninas de 10 a 17 anos e mais de 1.000 mulheres entre 18 e 55 anos, apontou que 84% das meninas brasileiras de 13 anos já utilizaram estes aplicativos para alterar suas imagens em fotos e vídeos. Sendo que 78% já tentou ocultar características do próprio corpo para realizar as postagens com a finalidade de receber aprovação nas redes sociais (89%). Pior, 60% passam até 30 minutos editando suas fotos antes das postagens e relatam baixa autoestima*.

Conforme se vê, a análise em torno das questões que levam à objetificação do corpo de meninas e mulheres e a busca pelo corpo perfeito envolve uma série de fatores que vão desde as influências de normativas culturais enraizadas no comportamento humano social até a necessária crítica da representação midiática e comercial utilizada ainda nos dias de hoje.

Graças a esse processo de reificação dos corpos lidos como femininos ainda tão enraizado em nossa sociedade, não é raro ouvirmos ou lermos comentários (não solicitados), que têm como objetivo nos dizer como nossas aparências deveriam ser e o que deveríamos fazer ou não para atingir os objetivos impostos pela norma padrão. Anulando nossas próprias vontades, personalidades e subjetividades.

A mídia, em especial, desempenha um papel significativo na perpetuação de violência e cultivo destes padrões de beleza inatingíveis ao reproduzir de forma acrítica esta cultura que valoriza um padrão de beleza hegemônico, que nunca correspondeu à realidade e diversidade de corpos existentes. Por isso, inclusive, a necessidade de discutirmos a responsabilidade gerada a partir daí, uma vez que isto impacta diretamente nas saúdes física e mental destas pessoas – 75% das pessoas entrevistadas na pesquisa de Dove, expressaram que gostariam “que o mundo se concentrasse mais em quem elas são, em vez de em sua aparência”.

Daí a necessidade de desafiarmos estereótipos em busca da promoção de uma melhor compreensão da individualidade feminina e da reconstrução do ser mulher. Tudo, para que possamos, coletivamente, desmantelar as estruturas que mantêm a objetificação e sexualização do corpo da mulher, buscando uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

Sob uma vertente pragmática, destacam-se alguns passos em formato de atitudes diárias de desconstrução, reflexão e ação que podem nos auxiliar:

1. Conscientização Pessoal:

O desenvolvimento de uma consciência pessoal sobre como padrões e estereótipos impactam negativamente no que lemos organicamente como beleza é fundamental.

2. Educação e Desconstrução de Padrões:

Investimento de tempo em leituras que versam sobre estes padrões e nas diversas formas de desconstrução dos mesmos é essencial para que darmos fim a essas ideias pré-concebidas e automaticamente reproduzidas.

3. Valorização da Diversidade de Corpos:

Valorizar a diversidade de corpos femininos é crucial. Isso envolve apoiar representações inclusivas na mídia, reconhecendo que a beleza vai além dos padrões hegemônicos e branco impostos às sociedades colonizadas pelos europeus.

4. Respeito ao Feminino:

Incentivar um olhar voltado para as mulheres que destaquem suas habilidades, conquistas e inteligência, ao invés de focar exclusivamente na aparência física.

5. Desconectar Beleza e Valor Pessoal:

Separar a ideia de beleza e autoestima é essencial. Reconhecer que o valor de uma mulher vai além da sua aparência contribui para uma visão mais holística.

6. Promoção do Respeito Mútuo:

Encorajar o respeito mútuo em todas as nossas relações. Isso significa combater comentários e comportamentos que objetificam as mulheres, promovendo um ambiente mais saudável para todas as pessoas.

7. Participação Ativa na Mudança Cultural:

Engajar-se ativamente na promoção de uma mudança cultural. Isso pode envolver campanhas, apoiar organizações que promovam a igualdade de gênero e agir como uma pessoa defensora da quebra de padrões hegemônicos.

Ao seguir estas dicas e passos iniciais, podemos atuar de forma significativa para a desconstrução da objetificação do corpo da mulher e promoção de uma sociedade mais respeitosa e igualitária, não esquecendo que homens raramente, ou quase nunca, vivenciam situações como essas.

Lembrando, também, que a educação desempenha um papel vital nesse processo, pois estimula a reflexão crítica sobre as representações culturais, além de identificar padrões culturais que apenas excluem e desumanizam mulheres.

*https://valor.globo.com/google/amp/patrocinado/dino/noticia/2022/08/05/brasil-ocupa-o-segundo-lugar-no-ranking-de-paises-que-mais-realiza-cirurgias-plastica.ghtml

*https://exame.com/marketing/dove-aos-13-anos-84-das-meninas-ja-usam-filtros-e-os-danos-sao-imensos/

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