Lawfare de gênero: o ataque às prerrogativas das mulheres advogadas

Mulher trabalhando

A violência de gênero que mulheres sofrem durante o curso dos processos em que são parte não é novidade. A subnotificação da violência contra mulher deixa explícita a falta de confiança no sistema de justiça e a maneira como mulheres são tratadas tanto pelos representantes das partes contrárias, quanto pelos magistrados. Fato é, a regra é a revitimização.

Tanto é que, em pleno ano de 2021, foi necessária a criação de um protocolo para julgamento com perspectiva de gênero pelo Conselho Nacional de Justiça, como tentativa de garantir que a função jurisdicional seja capaz de não repetir estereótipos discriminatórios, rompendo com essa cultura misógina que ainda é predominante. Todavia, a dificuldade da implementação deste protocolo é tamanha que foi necessária a criação de uma resolução como tentativa de garantir sua aplicação nos tribunais brasileiros.

Mas essa violência misógina não atinge apenas as mulheres que são parte dos processos. Crescem as denúncias de ataques, nítidas tentativas de retaliação e intimidação, contra as advogadas que amparam e defendem os direitos destas mulheres. Em menos de um mês, dois casos absurdos ganharam as mídias: em 28 de fevereiro, foi publicizada a ameaça de morte a mim direcionada, bem como vídeo do momento em que três homens agem juntos e colocam um chip – que, ao que tudo indica, trata-se de um rastreador – dentro do meu carro; em pleno mês de março, conhecido internacionalmente como mês da mulher, o carro da advogada Laura Cardoso (grávida de 39 semanas) foi incendiado por dois homens, na porta de sua casa em Pelotas – RS.

Demonstrando a gravidade da questão, no último dia 24 de março, em evento na OAB São Paulo, foi lançada a pesquisa “Lawfare de Gênero: Um Diagnóstico sobre as Violações das Prerrogativas das Advogadas”. Coordenada pela Dra. Soraia Mendes, a pesquisa traz dados que, através de significativa amostra quantitativa, demonstram a urgência da criação de um protocolo em defesa de uma advocacia ética e segura para todas as pessoas.

Importante ressaltar que de fato o supracitado estudo é capaz de nos trazer um panorama nacional da experiência vivida pela advocacia feminina no exercício da profissão, já que as respostas recebidas abrangeram todas as 27 unidades federativas brasileiras (26 estados e o Distrito Federal), em um quadro geral de advogadas com atuação em mais de 200 cidades do país.

Destaca-se que, em termos percentuais, os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul tiveram os maiores números de relatos. Não coincidentemente, São Paulo é um dos estados que mais mata mulheres travestis e transexuais no país; Minas Gerais, o estado com mais casos de feminicídios registrados no ano de 2021, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2022 e; o Rio Grande do Sul compõe uma região do país conhecida por ser altamente racista. Onde, inclusive, um parlamentar foi perseguido por ser negro e precisou socorrer-se ao judiciário para garantir seu direito de exercer o mandato para o qual havia sido eleito.

Outro ponto importante que a pesquisa nos traz é que 95,2% das entrevistadas declaram-se mulheres cis; 1,7% pessoas não binárias e; 1,8% na categoria outras. O que ratifica o fato de que, ainda que estejamos falando sobre mulheres, o abismo que nos separa e impede que acessemos nossos direitos à educação, à profissionalização e ao mercado de trabalho é gigante.

Mais, a parcela majoritária das entrevistadas é composta por advogadas autônomas (77,1%), explicitando a dificuldade que nós mulheres enfrentamos para acessarmos o mercado de trabalho da mesma forma que os homens. Pesquisas demonstram que o desenvolvimento de uma advocacia autônoma, nem sempre se dá por escolha. Ao contrário, por vezes, está diretamente ligada a esta dificuldade de inserção.

Por fim, é necessário evidenciar o fato de que 80,6% das advogadas entrevistadas já se sentiu ameaçada no exercício da profissão, em razão do seu gênero e/ou de suas clientes; que 90,4% dos casos a violência foi praticada por pessoa do sexo masculino e 58,9% das advogadas tem certeza da impunidade do agressor. Fato que impacta sobremaneira em seu exercício profissional, tanto é que 45,5% delas já pensaram em desistir da advocacia.

Ou seja, é necessário um olhar atento para a advocacia feminina. É absurdo o fato de que o exercício profissional de mulheres advogadas seja atravessado por discriminações misóginas. Isso é muito grave e precisa ser tratado com a seriedade que merece!

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR DE:

Rolar para cima