Por que a criação da “Comissão do Homem Advogado” na OAB Santana causou tanta indignação?

A falta de educação sobre desigualdade de gênero e o medo de perder privilégios ainda possibilitam a existência de retrocessos dentro das instituições.

[1]Luanda Pires

[2]Fernanda Perregil

A história de exclusão da mulher advogada é um capítulo marcante na evolução do campo jurídico ao longo dos séculos. Por muitos anos, as mulheres foram sistematicamente excluídas da advocacia devido às normas sociais e legais discriminatórias.

Na construção da intelectualidade, às mulheres foi imposto lugar muito específico: o da marginalização. Seus papéis? Do cuidado. Eis a tão falada “divisão sexual do trabalho”.

Por muito tempo, as mulheres foram proibidas de estudar direito em muitos países e mesmo quando permitidas, enfrentavam obstáculos significativos para entrar em faculdades e obter licenças para o exercício da profissão.

Assim, a advocacia, tão nobre profissão, passou a ser representada por homens, brancos, cisgêneros e heterossexuais. Tudo, em razão deste monopólio do masculino. Muito embora a primeira advogada deste país tenha sido Esperança Garcia. Mulher. Negra. Não esqueçamos.  

Ainda assim, com o passar do tempo e a luta dos movimentos de mulheres e feministas, caminhos para a equidade de gênero e igualdade  de oportunidades têm sido galgados também nos ambientes jurídicos. Apesar do constante enfrentamento à discriminação, preconceito e desafios sistemáticos.

Então, em pleno ano de 2024, quando uma “Comissão do Homem Advogado” é criada, é preciso que ratifiquemos dentro do debate, sem medo de ser repetitivas, que para inserção de mulheres na sociedades, em razão do monopólio masculino nos espaços de poder e intelectualizados, foi necessária lutas por direitos nunca cerceados aos homens. Advogados.

E hoje, embora tenhamos alcançados progressos significativos, a exclusão e a discriminação contra as mulheres advogadas ainda persistem. Desafios como disparidades salariais, dificuldade de inserção nos quadros das grandes bancas, falta de representatividade em posições de liderança, violência no exercício da profissão, são exemplos de obstáculos repisados, conforme exposto pela pesquisa “lawfare de gênero”, coordenada pela Dra. Soraia Mendes e lançada pela Seccional São Paulo, com fala brilhante da Presidente Patrícia Vanzolini.

Neste sentido, é necessário ressaltar que a citada pesquisa demonstra, inclusive, que as violências cometidas contra mulheres advogadas, em sua maioria, são perpetradas por seus pares. Homens. Por isso a necessidade da Comissão da Mulher Advogada. Daí, também, o absurdo da criação de uma “Comissão do Homem Advogado”.

Mas é explícito, a falta de educação e conhecimento em torno da construção de território, gênero, sexualidade, raça e todas as desigualdades que partem daí, fazem com que a criação desta Comissão dentro da Subseção de Santana, no último dia 19/04, seja ultrajante. Além de ir na direção contrária ao avanço conquistado pela Seccional São Paulo ao eleger a sua primeira Presidente Mulher.

A justificativa para estes debates, que sempre  partem da velha máxima de “direitos iguais”, quando na verdade desejam continuar alimentando um sistema patriarcal que perpetua desigualdades e normas sociais prejudiciais às mulheres, é ultrapassado. Por isto a exitosa movimentação pela extinção da Comissão foi tão necessária. Parabéns às pessoas envolvidas.

E assim, mulheres advogadas continuam a inspirar e liderar frentes de mudanças em direção a uma profissão jurídica mais igualitária e inclusiva. O legado de coragem, perseverança e dedicação à justiça continua a moldar o presente e o futuro do direito, lembrando-nos da importância da diversidade e da igualdade de gênero na busca pela justiça.

Por fim, em ano de eleição, reforcemos a necessidade de avanços e apoio às candidaturas de mulheres dentro de instituições jurídicas. A transformação não pode parar!


[1] Luanda Pires – especialista em Direito Antidiscriminatório e cultura inclusiva, tem larga atuação na defesa dos direitos humanos e em especial direitos das mulheres.

[2] Fernanda Perregil – especialista em Direito do Trabalho e ESG, professora do MBA em Diversidade e Responsabilidade Social na PUC/RJ.

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