O marketing e o peso da verdade

Uma pessoa trabalhando com computador, caderno e materiais de escritório, representando a importância do planejamento de marketing.

No texto anterior da coluna, falamos sobre o imprescindível alinhamento entre marketing e recursos humanos nos escritórios de advocacia. Tratamos da capacitação de advogados(as) para além de sua formação jurídica. A intenção do texto de agora é refletirmos um pouco sobre as condições do nosso “produto” para satisfazer tantas exigências do mercado, somando as demandas internas (dentro dos escritórios) e externas (notadamente, a dos clientes). Quanto a atividade de marketing precisa ser considerada como parte de um sistema sustentável para o real valor da marca?

O episódio envolvendo a tentativa de suicídio de um estagiário no meio jurídico, em meados de agosto, não é o tema central deste artigo. O fato é bastante sensível e complexo, e, certamente, não conhecemos todos os fatores envolvidos para uma análise minimamente responsável. Mas o acontecimento e repercussão reforçam a necessidade de maior atenção e cuidado com o capital humano dos escritórios que, como lembrado no texto anterior, é o “produto” da entrega jurídica. Sobre isso, podemos contribuir.

Sobre a saúde mental do capital humano

Profissionais dos escritórios – assim como de todos os setores – têm enfrentado cobranças desmedidas e, consequentemente, acabam por impor exigências do mesmo grau a si mesmos por não se enxergarem suficientemente bons para as demandas e desafios da atualidade e, principalmente, do futuro. Futuro esse que tem sido profetizado em muitos ambientes como o “apocalipse” para o profissional que não preencher uma lista interminável de requisitos para se manter no mercado. Um peso que pode alterar a saúde mental de qualquer indivíduo, concordemos.

Adicionalmente – e contraditoriamente –, o universo glamoroso das redes sociais parece projetar um(a) super advogado(a), conhecedor e sempre atualizado(o) sobre todos os temas do mercado, e, obviamente, muito bem-posicionado(a) na carreira. Qualquer perfil diferente ou, digamos, mais realista é tido como fraco. Mais um ingrediente à receita “dano mental” que tem sido incrementada aos aplausos.

E o que isso tem a ver com o marketing? Tudo.

O marketing no segmento jurídico tem se desenvolvido muito. De grandes estruturas full-service a “escritórios-startups”, é notável a busca pela promoção da marca e de seus atributos de diferenciação. Isso é uma prática correta e essencial no competitivo mercado em que todos os escritórios se encontram. Entretanto, a condução responsável do marketing é fundamental, uma vez que a verdade sobre o que se mostra da “porta para fora” e o que se faz da “porta para dentro” vai cada vez mais determinar a sustentabilidade dos escritórios.

Vale destacar que a estratégia de marketing está longe de ser responsabilidade de um único departamento, já que envolve a entrega de todos da organização e é pautada por diretrizes e validações da liderança.

No marketing, são desenvolvidas estratégias considerando os diferentes públicos de relacionamento da marca: colaboradores, ex-colaboradores, clientes, ex-clientes, Judiciário, Governo, imprensa, ONGs e tantos outros grupos. Entretanto, precisamos ter em mente que os públicos estão cada vez mais interligados e são todos impactados pelas ações da organização em curto, médio ou longo prazo, a despeito do direcionamento das nossas atividades e comunicação. As redes sociais, justa e injustamente, contribuem massivamente para isso. Há algo também pouco explorado na análise de públicos: eles mudam de condição. Quem hoje é colaborador, pode se tornar cliente, integrante do Judiciário ou do Governo e por aí vai. O alcance e reflexos das nossas ações jamais serão mensurados com exatidão, nem mesmo no marketing digital.

Revendo nossa avaliação do marketing

Nos últimos dias, temos visto conteúdos que tratam do problema sistêmico relacionado ao excesso de trabalho em escritórios de advocacia, embora longe de estar restrito ao setor. É possível que todos tenhamos uma dose (grande ou pequena) de culpa nesse ciclo vicioso que por anos tem sido um dos termômetros de “sucesso” dos escritórios. No caso do marketing, a prática ainda é muito vista e valorizada por tratar simplesmente das ações externas para projeção da marca, e comumente [bem] avaliada pela “força” dessa exposição isoladamente. O trabalho mais profundo e que, por consequência, exigirá alinhamentos e discussões sobre temas sensíveis com outras áreas e esferas da organização – como por exemplo, o Conselho ou Comitê Executivo e Recursos Humanos –, comumente não é muito considerado ou valorizado. Em outras palavras, o sistema “força” os profissionais de marketing, por melhores que sejam, a realizarem suas atividades voltados apenas para o seu feudo.

O cenário sugere que os escritórios iniciem análises mais profundas de suas ações externas que não se sustentem pela realidade interna. Para isso, é preciso enfrentar as fragilidades, partindo do princípio de que todas as organizações, que são formadas por pessoas, as têm. O erro não é, necessariamente, ter as fraquezas, mas agir ao largo delas. A partir disso, faz-se necessária uma mudança na forma de valorização do trabalho de marketing e comunicação. Não conduzir algumas ações externas pode se provar o melhor marketing no longo prazo. Ao valorizar os esforços e iniciativas de trabalhos conjuntos, como de Marketing e RH, abrindo espaço para que os profissionais dessas áreas se posicionem sobre suas análises e sejam ouvidos em temas de seu conhecimento, estamos minimizando riscos de exposição negativa para a marca, interna e externamente.

Se um escritório expõe como valor o bem-estar de seus profissionais, talvez tenha que “demitir” clientes que, em suas demandas, demonstrem não comungar dessa condição, a despeito do ganho financeiro. Isso parece simples para escrever e ler, mas deveria pautar o início de discussões profundas de escritórios que se posicionam ou pretendem se posicionar por propósito – a razão de sua existência para além da atividade jurídica e do dinheiro que ganham. Isso é, essencialmente, o bom marketing.

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